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Revista da CAASP - Edição 19-

Dona de uma escrita leve e fluente no estilo, seus contos são surpreendentes, pelas figuras de linguagem de que se vale e pela frequência e naturalidade com que usa adjetivos quase que deslocados. Suas histórias se desenrolam de forma não linear, por vezes em reviravoltas sucessivas e inesperadas, ao sabor de repentinas mudanças do estado de espírito dos personagens. Os traços autobiográficos da autora projetados a seus personagens são marca registrada. Também é frequente ela retratar figuras do inconsciente, criando climas e cenários oníricos e labirínticos. Considerada escritora modernista, da geração de 45, sua literatura também é associada ao impressionismo. A maior contribuição de Clarice à literatura brasileira foi inaugurar, em belo estilo, uma forma introspectiva de escrever, que mescla poesia à prosa e traz à tona o inconsciente, com isto criando histórias em que a vida interior dos personagens é o ponto central da narrativa. Suas personagens femininas buscam a liberdade de viver, a autenticidade da vida. Mas nem sempre conseguem escapar das armadilhas em que o pequeno destino as acorrentou, da fantasia retornando à segurança sem sabor do cotidiano. A expressão que a escritora dá a essa angústia feminina sufocante pela rotina e a mesmice da vida de mulher casada, mãe de família e dona de casa, a partir dos anos 40 e daí em diante, faz dela uma pioneira que mostra ao mundo um novo modelo de mulher em conformação. Hermann Hesse: Clarice leu “O Lobo da Estepe” aos 13 anos No entanto, seria simplista considerar a jornada de Clarice como exclusivamente originária da angústia existencial da mulher em transformação na metade do século passado. A vida da escritora, e sua história pessoal intransferível, revela pistas de muito maior profundidade para a tentativa, sempre vã, de entendê-la. Uma daquelas pessoas que ao lerem seus livros por ela se apaixonaram é Benjamin Moser, colaborador do New York Times, que conheceu seus escritos quando cursava literatura brasileira na universidade. Moser é um de seus principais tradutores atualmente, devendo-se a ele creditar parte do renascimento de Clarice junto ao público brasileiro contemporâneo, e o desvendar de mistérios sobre a vida da escritora, a partir de substancioso estudo biográfico que publicou sobre a autora com o título Clarice, uma biografia: Editora Cosac Naify, 2009. Na contracapa desse livro, breves trechos da apresentação assinada por Yudith Rosenbaum oferecem, já ali, uma visão um pouco mais abrangente do universo existencial da escritora: “´Viver não é vivível´, escreve Clarice Lispector. ... Seria possível contar a história de alguém que lutou radicalmente para descobrir o ´jeito de ser gente´? Mas assim como Clarice não se rendeu à dificuldade de expressar um real sempre rebelde às suas palavras, seu biógrafo americano não desistiu de compreender a indevassável vida dessa ucraniana, brasileira, nordestina e carioca, estrangeira em toda parte. Ao reconstituir o mundo perdido das raízes russo-judaicas de Clarice, Moser reconstitui o périplo da família de refugiados da Ucrânia até sua chegada à Maceió de 1922, trazendo o retrato de uma época de miséria, fome e violência. A revelação inédita de episódios brutais vividos pela família antes de chegar ao Brasil, bem como a missão falhada da escritora - ´salvar a mãe´ da invalidez e da morte fundamentam a tese do livro ... e a famosa frase de Clarice: ´Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria´.” Pois assim foi: Clarice Lispector nasceu numa pequena cidade da Ucrânia e veio com a família para o Brasil quando tinha um ano de idade . Foi criada em Maceió e em Recife e, na adolescência, a família Outubro 2015 / Revista da CAASP // 37 WEB WEB


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