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Revista da CAASP - Edição 19-

\\ Os enigmas de Clarice Lispector Por Luiz Barros* No final do ano passado, a BBC sugeriu numa lista dos 10 melhores livros para serem lidos em 2015 uma coletânea de contos de Clarice Lispector: Clarice Lispector – The Complete Stories. Inúmeros de seus contos já haviam sido traduzidos ao inglês e publicados em jornais e revistas americanos, mas esta é a primeira coletânea de textos da escritora em língua inglesa, com 86 histórias. Os tradutores, entre eles um de seus biógrafos, comparam sua obra às de Virgínia Woolf e Kafka. É uma consagração a mais para Clarice, já amplamente celebrada no Brasil e no mundo. Formada em Direito pela Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, a bela, fascinante e enigmática Clarice Lispector (1920-1977) escreveu romances, crônicas e contos, tendo sido também jornalista e inclusive assinado, sob pseudônimo, colunas femininas na imprensa, quando, depois de divorciada, necessitava do dinheiro para viver. A seu tempo, arregimentou levas de admiradores entre os principais escritores e intelectuais brasileiros. Consciente do efeito que causava aos outros, certa vez afirmou: “Escrevi livros que fizeram muitas pessoas me amar de longe”. Na última década, por conta de seus biógrafos, críticos e tradutores contemporâneos, o prestígio literário de Clarice não para de crescer. A internet tem contribuído para isto também. Em blogs de admiradores e sites de citações e frases, ela é presença constante; talvez seja atualmente uma das pessoas mais citadas na web, mas é necessário cuidado: como no caso de outras pessoas, muitas frases que se atribuem a ela talvez não apenas não sejam dela como não combinam com sua personalidade e seus escritos. Iniciou-se jovem na literatura. Em entrevistas ao jornalista Leo Gibson Ribeiro e ao escritor Affonso Romano de Sant’Anna, Clarice indica que já escrevia pequenos contos desde menina e que ao entrar em contato com a grande literatura de Hermann Hesse, pela leitura de O Lobo da Estepe, aos 13 anos de idade, decidiu-se pela carreira de escritora, fascinada pela viagem interior. A partir da idade de 22 anos, tendo-se casado com um homem que conheceu na faculdade de Direito, e que viria a ser embaixador brasileiro no exterior, aparentemente a escrita e a literatura crescentemente também adquiriram para ela o sentido de um refúgio para distrair-se do cotidiano. Talvez se entediasse com a vida formal de jantares e recepções e as formalidades impostas a uma embaixatriz. Transpondo o tema, em seus contos, para donas de casa cariocas de classe média, Clarice retratou mulheres felizes em suas vidas de esposas e mães que repentinamente descobrem-se presas na felicidade que desejaram, e para quem, então, aquela harmonia passa a não fazer mais sentido. 36 // Revista da CAASP / Outubro 2015 A escritora, para uns modernista, para outros impressionista


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