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Revista da CAASP -Edição 18-

Por essa época, a um ardente moço que o atacara, defendendo as ideias de Leibniz, Voltaire escreveu: “Tive, senhor, a satisfação de saber que escreveu um livrinho contra mim. Fez-me com isso grande honra... Se explicar, em prosa ou verso ou de outra maneira, por que tantos homens se cortam mutuamente os pescoços no melhor de todos os mundos possíveis, ficar-lhe-ei extremamente grato. Aguardo seus argumentos, seus versos e seus insultos; e afianço-lhe, com a máxima sinceridade, que nenhum de nós dois sabe coisa alguma sobre essa matéria”. Voltaire viveu 83 anos. De suas obras, que enchem 97 volumes, hoje nos sobram as páginas de Cândido, salvo para leitores e estudiosos especializados. Sobre ele Vitor Hugo escreveu: “Dizer Voltaire é caracterizar todo o Século XVIII”. Para Will Durant, “jamais outro escritor exerceu tanta influência enquanto vivo; Voltaire e Rousseau foram as duas vozes de um vasto processo de transição econômica e política da aristocracia feudal para a soberania da classe média”. Como é sabido, os dois, embora adversários em relação a muitas questões, têm ambos lugar destacado entre os pensadores que levaram à Revolução Francesa. O sarcasmo de Voltaire já foi considerado “a mais terrível de todas as armas intelectuais jamais brandidas por algum homem”. Esse sarcasmo impiedoso está presente em Cândido e já era marca registrada do jovem escritor que, aos 23 anos de idade, é preso na Bastilha por conta de sua ironia. A razão? Consta que ao chegar a Paris logo ficaram famosas suas tiradas espirituosas. Nesta época o regente que governava a França, por conta da morte de Luís XIV e por ser Luís XV muito jovem para assumir o trono, por medida de economia vendeu metade dos cavalos dos estábulos reais. Voltaire, que então ainda usava seu nome de batismo, François, comentou que a economia seria muito maior se o regente despedisse metade dos asnos que atulhavam a corte real. Foi nesta ocasião, durante sua primeira estada na Bastilha, que ele, que se chamava François Marie Arouet, adotou o pseudônimo Rousseau: vítima do sarcasmo de Voltaire. Aos 32 anos foi novamente preso. Esses períodos de prisão levaram-no a morar por quase toda a vida no exílio, na Inglaterra e depois na Suíça. Seus livros foram proibidos pela Igreja e pelo Estado, mas ele era um trabalhador incansável e seguiu estudando e escrevendo sem parar, metendo-se em polêmicas nas quais esgrimia com sua fina ironia e desbragado deboche, até que, afinal, a sua genialidade impôs-se e ele passou a ser cortejado também por reis, papas e imperadores, que se juntaram ao séquito de populares que o adoravam. A despeito de suas constantes atribulações, Voltaire ganhou muito dinheiro com seus escritos, entre os quais peças teatrais de grande sucesso, e soube administrar seus rendimentos, construindo fortuna. A riqueza contribuiu para garantir total independência a seu espírito crítico e rebelde. Voltando ao livro Cândido ou O Otimismo: trata-se de um romance de aventuras em que a ação se desenvolve em ritmo vertiginoso. A trama inicia-se com a expulsão de Cândido do castelo do barão e objetiva desmascarar Pangloss como farsante e ridicularizar sua visão cor de rosa do mundo. Isto é feito com humor, ironia e deboche. A cada novo acontecimento aprofundam-se as desventuras, as misérias e os tormentos do ingênuo protagonista, de sua amada Cunegundes e de Pangloss –, não obstante o que, Cândido e seu mentor não abdicam do insano otimismo que praticam, seguindo a professar, qual fosse um mantra, que todas as desgraças que os acometem são por uma boa finalidade e que o seu mundo miserável, infeliz e injusto continua sendo o melhor dos mundos possíveis. WEB Agosto 2015 / Revista da CAASP // 35


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