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Revista da CAASP -Edição 17

Entre os imortais da Acadêmia Brasileira de Letras 38 // Revista da CAASP / Junho 2015 \\ No melhor estilo dos contistas que dominam o gênero, suas histórias são curtas, desde o início caracterizando os personagens e estabelecendo o clima. Rapidamente o clima e a trama passam a gerar tensão, às vezes suspense, prendendo o leitor até o desfecho rápido, fulminante, em geral inesperado, nas últimas frases ou linhas. Lygia Fagundes Telles é sempre surpreendente e exerce em plenitude sua verve literária não apenas em seus livros, porém em todas as ocasiões. Veja-se, por exemplo, como ela inicia o discurso de sua posse na Academia Brasileira de Letras, onde ocupa a Cadeira que tem como patrono o poeta baiano Gregório de Mattos: “No pequeno laboratório de química dos meus tempos ginasiais, aconteciam as mais extraordinárias experiências sob a inspiração do nosso professor. Lembro-me de que era um homem pálido e balofo, com a mesma cara secreta de um Buda de bronze que ficava na vitrine de bibelôs da sala de visitas da minha mãe. Falava baixo esse professor. Enfática era a voz borbulhante dos tubos de ensaio com suas soluções que ferviam sob a chama da lamparina nas famosas aulas práticas. Os misteriosos tubos de ensaio com seus lentos vapores – as fumacinhas escapando das misturas de inesperadas colorações – e que podiam explodir de repente ao invés de darem uma vaga precipitação, ah! o suspense daquelas combinações. Só ele, o químico de avental branco, parecia não se impressionar com as intempestivas ocorrências ao longo da tosca mesa esfumaçada, com ares de uma oficina de bruxaria medieval. Costumava ele fazer no quadro-negro os seus cálculos e, em seguida anunciava: ‘Vocês verão agora este líquido amarelo ficar azul’. E o líquido amarelo ficava vermelho. Ele não se perturbava, era um homem calmo. Recomeçava, sem pressa, a operação, enquanto deixava escapar alguns fiapos de monólogo, ‘acho que algo não deu certo, hem?...’. É, concordávamos, alguma coisa não funcionou, o que seria? E, sem muito interesse pela resposta, voltávamos a acompanhar, com atenta perplexidade, os movimentos do mestre de uma Ciência tão austera. E tão esquiva. A malícia, essa escondíamos na expressão meio idiotizada que só conseguem ter os adolescentes. Certa manhã, ele chegou filosofante: ‘Vejam, meninas, na Química há sempre uma larga margem de imprevistos, como na vida, que também desobedece regras e leis... Vocês vão se lembrar disso mais tarde.’” Não é notável iniciar assim um discurso formal? Trata-se de pequena amostra das palavras imortais da encantadora Lygia Fagundes Telles. * Luiz Barros é escritor e jornalista WEB


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