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Revista da CAASP -Edição 17

SAÚDE \\ As contrações geraram dor, mas, segundo ela, a recuperação foi muita mais rápida, e nada compensa o prazer que teve por ficar com o filho logo depois do nascimento, o que não aconteceu no caso da cesariana, pois estava sob efeito da anestesia. “O corte da cesariana também torna a recuperação muito mais lenta”, diz. Tomada em seu sentido literal, a Bíblia tem um versículo que faz a mulher suspirar de medo só em pensar na possibilidade de gravidez. Como consequência do pecado original, por causa do fruto proibido, Deus disse a Eva: “Multiplicarei grandemente o seu sofrimento na gravidez; com sofrimento você dará à luz filhos”. Mas hoje, no Brasil, esse sofrimento teria passado da conta, mesmo no caso do parto normal. A Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz entrevistou quase 24 mil mulheres, entre 2011 e 2012, e publicou o estudo “Nascer no Brasil”. A pesquisa apurou que apenas 5% das mulheres tiveram um parto natural sem qualquer intervenção e destas pouco mais da metade passou por técnica muito agressiva, que foi criada há quase 100 anos. Trata-se da episiotomia, que é um corte no períneo para ampliar o canal de parto. Existem técnicas mais demoradas, mas que preservam o períneo. Um terço delas recebeu uma injeção de ocitocina, que é um hormônio que ajuda na dilatação, mas provoca contrações muito mais dolorosas. Apenas duas em cada dez mulheres que passaram pelo parto normal tiveram a presença de um acompanhante, o que, sem dúvida, ajuda no conforto da parturiente. “O parto normal é desnecessariamente mais doloroso”, diz a médica Carmen Simone Diniz, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP e uma das coordenadoras do levantamento. Em geral, os hospitais não têm um ambiente preparado para o parto normal. A mulher fica num local com muita gente gritando, alguns profissionais mandam a mulher calar a boca, outros ficam tocando no seu corpo, tentando forçar o parto. “Nesse quadro, a cesariana se torna uma salvação. É a melhor alternativa para escapar desse cenário, oferecendo conforto e cuidado”, acrescenta Simone, que é especialista em medicina preventiva. É por isso que quase 90% das mulheres que têm convênio médico não pensam duas vezes: querem a cesariana. Já na rede pública, o número de cesarianas é de 50%. “Organizamos todo um sistema em torno da cesariana, e não há muitas opções para sair dele”, diz Simone Diniz. Para a professora Sônia, o cenário é de fato sombrio, mas a luz já aponta no fim do túnel, na forma de organização de mulheres que incentivam parto normal. É o caso da rede Parto do Princípio, da qual faz parte a dentista Déborah Delage, que é também mestre em saúde pública e doutora em ciência. A Parto do Princípio nasceu em 2006, fruto da insatisfação das mulheres com a cultura da cesariana, que, de maneira sutil ou não, tira da grávida o direito de escolha da forma como seu bebê vai nascer. “Há uma indução para a cesariana”, afirma Déborah. 26 // Revista da CAASP / Junho 2015 Pontifícia Universidad de Chile Ambiente hospitalar inapropriado afasta as mulheres do parto normal


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