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Revista da CAASP -Edição 16 - Final - 1

\\ Raskólnikov e a teoria do crime permitido A psicologia de um criminoso que se julga acima da lei é minuciosamente analisada por Dostoiévski na obra prima Crime e Castigo 42 // Revista da CAASP / Abril 2015 Por Luiz Barros* Fosse linear o desenrolar dos fatos em Crime e Castigo (1866) e a saga de Raskólnikov, o trágico herói retratado por Dostoiévski, poderia igualmente ser resumida de forma linear: o crime pré-meditado, o castigo pela consciência e o sofrimento e, finalmente, a redenção pelo amor. Entretanto, a história de Raskólnikov e a forma como Dostoiévski a narra não são lineares. Na medida em que a narrativa se desenvolve no tempo, com maior intensidade ela igualmente avança para a compreensão íntima dos personagens, aprofundando a análise psicológica. Dostoiévski: imersão no mundo psicológico dos personagens Crime e Castigo é um clássico que merece ser lido muitas vezes. Trata-se de livro especialmente interessante para advogados, sejam criminalistas ou não. Para além da extraordinária análise psicológica de um criminoso, ou exatamente por conta disto, o universo do Direito compõe parte importante do cenário da narrativa. Não por acaso o protagonista é um estudante, ou ex-estudante, de Direito. Inquéritos e provas são debatidos em diálogos; e um juiz de instrução é personagem destacado da história. A narrativa dos fatos privilegia o mundo psicológico dos personagens, principalmente do protagonista, Raskólnikov, que abandonara a faculdade por falta de meios para se manter. São as emoções, os diferentes estados de espírito e as crenças dos personagens que comandam as ações objetivas. Dizendo de outra forma, Dostoiévski enfatiza a narração daqueles fatos intelectuais e psicológicos que transcorrem no íntimo dos personagens e é a psicologia dos personagens que comanda os fatos externos da realidade, sendo o mundo real, em muitas passagens, quase integralmente subalterno à subjetividade do protagonista e das demais pessoas que o circundam. No nível da peculiar subjetividade de Raskólnikov, encontraremos a teoria do crime permitido, segundo a qual, dividindo os homens entre os “ordinários” e os “extraordinários”, o jovem estudante afirma que os primeiros devem viver na obediência às leis; enquanto os extraordinários têm o direito de cometer toda sorte de crimes e infringir a lei precisamente porque são extraordinários e, nessa condição, suas ações poderão vir a representar uma contribuição ao bem comum no futuro.


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