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Revista da CAASP -Edição 14 - Final - 6

\\ Prossegue Sócrates em seu relato: “Examinai por que vos conto eu esse fato; é para explicar a procedência da calúnia. Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: ‘Que quererá dizer o deus? Que sentido oculto pôs na resposta? Eu cá não tenho consciência de ser nem muito sábio nem pouco; que quererá ele, então, significar declarando-me o mais sábio? Naturalmente, não está mentindo, porque isso lhe é impossível”. Para decifrar esse enigma, por fim, o filósofo diz ter resolvido fazer uma investigação: “Fui ter com um dos que passam por sábios, porquanto, se havia lugar, era ali que, para rebater o oráculo, mostraria ao deus: ‘Eis aqui um mais sábio que eu, quando tu disseste que eu o era!’ Submeti a exame essa pessoa – é escusado dizer o seu nome; era um dos políticos. Eis, Atenienses, a impressão que me ficou do exame e da conversa que tive com ele; achei que passava por sábio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus próprios, mas não o era. Meti-me então a explicar-lhe que supunha ser sábio, mas não o era. A consequência foi tornar-me odiado dele e de muitos dos circunstantes.” Depois de interrogar os políticos e várias outras classes de homens, os poetas, os dramaturgos, os artífices, a cada vez colecionando mais inimizades, de um lado, e de outro lado tendo sua fama de sábio aumentada, o filósofo mais uma vez depõe por sua humildade ao interpretar o que sucedia nessas ocasiões: “É que, toda vez, os circunstantes supõem que eu seja um sábio na matéria em que confundo a outrem. O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e queira dizer, no seu oráculo, que pouco valor ou nenhum tem a sabedoria humana tomando meu nome como exemplo como se dissesse: ‘O mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor’”. Essas passagens ilustram, em síntese, o paradoxo do sábio que teve sua sabedoria expressa pela máxima: “Só sei que nada sei”. A assertiva não é, na verdade, uma declaração de ignorância. Trata-se antes de uma postura metodológica, investigativa, que auxilia na compreensão das coisas humanas e das coisas do mundo; e que busca evitar a soberba. Sócrates prossegue o discurso rebatendo, pela argumentação lógica, as acusações específicas que lhe foram feitas. Numa das passagens interroga, de forma irônica, um dos acusadores, Meleto, como a lei permitia. Neste ponto, seu monólogo muda, dando espaço para breves diálogos, assemelhados aos diálogos que Platão escreveu tendo Sócrates como personagem e em que os contendores do filósofo são retratados como aparvalhados e colocados a nocaute com poucos e certeiros golpes. Nessas passagens podemos perceber ligeira semelhança com seu método de ensino, a maiêutica, pelo qual atua como “parteiro” da verdade por meio de sucessivas perguntas ao interlocutor, que, como “parturiente”, ao fim descobre a verdade, conduzido pelas perguntas socráticas. Maieuta em grego quer dizer parteira e esta era a profissão da mãe de Sócrates, fato que o inspirou a assim denominar sua forma de arguir as pessoas. 38 // Revista da CAASP / Dezembro 2014


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