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Revista da CAASP - Edição 13

\\ 46 // Revista da CAASP / Outubro 2014 Talvez pela exageração presente nas falas do personagem e pelo fato de o livro ter sido lançado no início dos anos 1970, quando fazia furor a literatura de García Marquez, houve quem associasse Sargento Getúlio ao realismo fantástico, alusão igualmente descartada por João Ubaldo. Seja como for, Sargento Getúlio, embora de fácil e agradável leitura, é um livro simbolicamente forte e literariamente complexo, a começar pela forma do monólogo, por vezes entrecortado por breves diálogos, e que é ora dirigido aos ouvidos do preso que o sargento conduz, ora a seus outros companheiros de viagem – sendo quase sempre, também, um diálogo reflexivo do personagem consigo mesmo. Nessa falação infindável do sargento, o tempo flutua de forma volátil, misturando-se o passado com o presente e o futuro. Nascido na ilha de Itaparica, que, nas palavras de Luís Fernando Veríssimo, o cronista João Ubaldo celebrizou como “microcosmo do Brasil e do mundo, onde todos tinham opinião sobre tudo”, o escritor baiano passou a infância em Sergipe, onde seu pai foi político e chefe de polícia. Assim, Sargento Getúlio origina-se das memórias da primeira infância do escritor que, quando menino, conviveu com sargentos de carne e osso daquelas brigadas sergipanas chefiadas por seu pai. João Ubaldo explicou em entrevistas que o personagem do livro foi composto pela mistura de traços de caráter e de feitos memoráveis de vários sargentos diferentes que conheceu, em especial três deles, e também identificou um tal sargento Cavalcanti como o homem que teria inspirado a história. Esse tal Cavalcanti, da força sergipana, levou 17 tiros em Paulo Afonso, na Bahia, e não morreu. Sabedor do caso, o pai de Ubaldo, chefe de polícia em Aracaju, mandou buscá-lo. A partir deste episódio, surge então o mítico Getúlio na lavra da pena de João Ubaldo Ribeiro. Livro com cerca de 170 páginas em edição de bolso, Sargento Getúlio pode ser lido em duas ou três sentadas. E vale a pena. No cinema, Sargento Getúlio teve trajetória memorável, com Lima Duarte no papel título. Filmado em 16mm, com parcos recursos e uma equipe de apenas 10 pessoas, ao estilo uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, a produção dirigida por Hermanno Penna foi a grande vencedora do Festival de Gramado de 1983. Em depoimento na noite de comemoração dos 30 anos do filme, Hermanno Penna revelou que foi o entusiasmo do produtor Luiz Carlos Barreto ao assistir a obra, que designou como o “Apocalipse Now do terceiro mundo”, o que viabilizou a adaptação para o formato 35mm, possibilitando que o filme entrasse em cartaz e viesse a se tornar um clássico do cinema nacional.


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