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Revista da CAASP - Edição 13

Outubro 2014 / Revista da CAASP // 45 Mas Ubaldo não concordou, dizendo que na época sequer havia lido Guimarães Rosa; e, ainda, depois diria que seguia não sendo seu leitor, conforme declarou em entrevista ao final da vida. No entanto, o que pensam os escritores sobre suas obras nem sempre corresponde ao impacto e ao sentido que seus escritos têm para os leitores, sejam leigos ou especializados. E, nesse caso, basta lembrar que em A hora e a vez de Augusto Matraga, Guimarães Rosa já houvera construído uma narrativa cujo tema central era a virtude do bandoleiro e sua disposição de buscar a boa morte, no sentido heroico, para defesa de sua honra como homem e guerreiro. Sumariamente, é disto que trata Sargento Getúlio. Getulio Santos Bezerra é sargento da Polícia Militar de Sergipe, na verdade um jagunço a serviço de um dos chefes políticos no estado, no dizer de Getúlio, do “pecidê” (PSD), que no quadro partidário da época – década de 1950 – vivia em disputas com a “udenê” (UDN) e os comunistas. O sargento recebe ordens de levar um preso, desafeto político de seu chefe, de Paulo Afonso a Aracaju, com a estrita e enfática recomendação de entregá-lo vivo; missão que desagrada ao jagunço, homem em cujas costas pesam inumeráveis mortes, para ele uma solução banal para os problemas vitais e da política. A meio caminho chega uma contraordem, que Getúlio resolve desacatar por não tê-la recebido diretamente do chefe, e sim por meio de intermediário. Resolvido a entregar vivo o prisioneiro no local designado, ganha força a deliberação virtuosa de Getúlio, que enfrentará o destino reservado aos guerreiros solitários que contra tudo e contra todos lutam pela honra de cumprir suas missões, respeitando valores e tradições que podem até ser ininteligíveis para os outros, porém são inquebrantáveis para esses fortes. Enfim, o surpreendente sentido da aretê que Ubaldo embutiu no romance é a ética do guerreiro, mesmo a do mais feroz deles que incorpora em seu ser a expressão máxima da violência primitiva. Essa interpretação surpreende e pode até passar despercebida ao leitor que se prenda exclusivamente à superfície da narrativa e seus aspectos regionalistas. Mas não faltaram críticos e estudiosos para indicar o parentesco do Sargento Getúlio, no que tange a suas virtudes, a diversas figuras heroicas da mitologia grega, sendo a grandiosa Antígona a mais forte e comovente delas – e talvez também a mais apropriada ao caso, se formos abraçar essa tese. Tasso Marcelo/Estadão Conteúdo


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