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Revista da CAASP - Edição 13

Damatta: “saímos de uma sociedade escravocrata para uma sociedade democrática” Ives Gandra: “disenteria legislativa” Outubro 2014 / Revista da CAASP // 21 de castigo físico ou de tratamento cruel”. A norma não proíbe a chamada “palmada corretiva”. Cabe a pergunta: se os castigos que provocam lesões já são criminalizados pelo Código Penal, por que criar uma Lei da Palmada? “É claro que a Lei da Palmada não vai pegar, a não ser que tenhamos um policial dentro de cada casa”, prevê Damatta. “O excesso de leis tem a ver com a ideia de se ter um juiz, um delegado, um policial em cada lugar”, acrescenta. O excesso de leis a que o antropólogo se refere já foi tratado pelo jurista Ives Gandra Martins como fruto de “disenteria legislativa”, segundo ele “pelo mau cheiro que algumas leis exalam”. Martins também costuma usar o termo “inflação legislativa” para caracterizar a produção crescente de leis no Brasil. “Nem os maiores juristas do país conhecem todos os dispositivos legais em vigor”, observa. Além da tentativa quase sempre infrutífera de mudar mediante regramento hábitos comportamentais consagrados, desconsiderar as possibilidades de fiscalização de uma norma também contribui para o seu descumprimento. “Toda lei precisa ter um fiscal. Quando o Poder Público não fiscaliza, a lei acaba não pegando. A norma sancionada é que condiciona o comportamento”, diz Ives Gandra Martins, citando a Lei Seca: “A maioria sabe que o risco de ser parado é pequeno, por isso ninguém se importa. Não há como tirar policiais da captura de criminosos para coloca-los à procura de motoristas que bebem”. Ao inserir o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) entre as leis que são descumpridas sem cerimônia no Brasil – basta visitar os inúmeros asilos em que os velhinhos sofrem com falta de medicamentos e até de higiene para constatar isso, ou mesmo as filas do SUS – Martins assinala: “Vejo as pessoas na rua e percebo claramente que a Lei do Idoso não é cumprida”. A presença de guichês e assentos preferencias para idosos é perceptível em estabelecimentos públicos e privados, mas isso é muito pouco quando temos uma lei que determina, logo em seu Artigo 3º, o seguinte: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. O advogado Márcio Cammarosano, professor de Direito Administrativo da PUC-SP e conselheiro seccional da OAB-SP, enxerga duas vertentes de “leis que não pegam”. No primeiro grupo estão aquelas que são descumpridas por não terem contado com as devidas explicitação e divulgação. No segundo encontram-se as que confrontam costumes. “Quando uma lei não é bem cuidada em WEB Arquivo CAASP


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