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Revista da CAASP -Edição 12_-

\\ 46 // Revista da CAASP / Agosto 2014 As descrições da nudez inocente dos índios e das índias, aquelas que foram censuradas pelo padre Aires do Casal, são apresentadas por Caminha por vezes de forma naturalística, por vezes de forma quase que mística e religiosa, quando em explícita comparação à imagem de Adão e Eva. No entanto, permeiam subliminarmente às descrições dessa nudez a observação e o enlevo do narrador frente a uma sensualidade vigorosa que o atrai e seduz. As lindas índias são encantadoras aos olhos dos portugueses e desse fato é revelador o que diz o escrivão ao compará-las com as mulheres portuguesas, quando, de forma quase atrevida, escreve ao rei que “uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela”. A beleza das jovens índias nuas, “cujas vergonhas de tão inocentes não nos causavam vergonha” é parte do que há de mais belo, importante e revelador no documento. A elas o narrador fará reiteradas referências em sua carta, atestando assim o seu encantamento. As índias se revelam especiais ao primeiro olhar e foram as intensas menções a elas na carta que levaram o texto a ser censurado, como já vimos. A atração carnal com que os lusos viriam depois sucumbir às indígenas durante os anos da colonização, e a discreta forma com que sua nudez é relatada por Caminha, enfatizando o bordão “vergonha inocente que não nos causa vergonha”, é chave para compreender nossas origens. Fica antevisto como a colonização portuguesa se dará no Brasil, em duplo jogo de poder; de um lado a força do domínio conquistador europeu, de outro, a irresistível sensualidade tropical de nossas índias que, seduzindo o conquistador conquista-o para enredá-lo na trama da hereditariedade mestiça fundadora da nação. O escrivão, pela beleza literária que evoca em tudo o que com cadência descreve e narra, mais tece uma pintura do que avia um relatório. Na carta Pero Vaz de Caminha descreve a terra, as matas, as águas, os bichos... e o ouro que aqui não há! Dá o testemunho de quantas vezes e por quantas formas o português arguiu o índio sobre o ouro e a prata de sua obsessão. Mostra igualmente a forma com que os navegadores lusos se utilizavam dos degredados que traziam a bordo, mandando-os, por exemplo, em missões arriscadas de reconhecimento e deixando-os, ao partir, para aprender a língua e a cultura dos indígenas.


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