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Revista da CAASP -Edição 12_-

Agosto 2014 / Revista da CAASP // 47 Como acima já indiquei, Pero Vaz de Caminha descreve principalmente as gentes; os homens e as mulheres que os portugueses aqui encontraram, e os interpreta. Ele relata a aproximação pacífica que se deu entre os guerreiros lusitanos e os guerreiros índios; de como ambos não se valeram de armas, logo partindo para contatos próximos, selando amizade por meio de leves escambos e de celebrações marcadas por rituais de comilanças, músicas e danças. Também a primeira missa em terras brasileiras é descrita. O escrivão tudo relata de maneira direta e objetiva; seu deslumbramento ele tenta disfarçar. Não se esquiva da interpretação do que vê. Jamais perde a lucidez. Não teme apresentar ao rei conselhos que não lhe foram solicitados a propósito de assunto que, supõe-se, não lhe dizia respeito; por exemplo, declarando sua opinião sobre como deveria agir a Coroa para a colonização desta terra e seu gentio. Com sinceridade Caminha escreve que “os índios são muito mais nossos amigos que nós seus”, testemunhando a El Rey sua conclusão, quando os índios e os portugas juntos já celebravam e dançavam. Tendo Caminha iniciado seu relato em 22 de abril de 1500, quando se avistou a terra e se fundearam os navios longe da costa, nos dias seguintes, 23, 24 e 25 de abril, ele relata a aproximação dos navios para ancoragem e a busca por melhor porto, assim como os primeiros contatos com os índios. Mas foi apenas a partir do quarto dia, 25 de abril, que as índias se mostraram, ou que Caminha perde o pejo de registrar sua presença entre os guerreiros índios, relatando a El Rey a realidade como ela é: “Ali andavam entre eles índios três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.” O contato de Pedro Álvares Cabral não foi com pequeno grupo de indígenas. Em 30 de abril, dia final dos preparativos da cruz a ser erguida no dia seguinte para a primeira missa, registrou Pero Vaz de Caminha: “Andariam na praia, quando saímos do navio, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinquenta índios.” Pero Vaz de Caminha atesta que da celebração da primeira missa participaram cinquenta ou sessenta índios, sem deixar de assinalar, ao jeito como amiúde fez no decorrer de seu relato, a presença feminina, ao afirmar que “... entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.” *Luiz Barros é escritor e jornalista.


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