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Revista da CAASP - Edição 09 -

\\ Contrapondo a obra ao autor, cabe notar que Thomas More, antes de cair em desgraça, por mais de 20 anos serviu a Henrique VIII, um dos mais cruéis e sanguinários tiranos da história inglesa. Em Utopia há uma explicação, ou, melhor dizendo, uma justificação para isto. Trata-se de um diálogo inserido na narrativa a respeito de valer a pena sim ou não o homem sábio fazer parte do conselho do reino. De um lado e de outro, as teses são as velhas conhecidas: não vale a pena porque nada se consegue mudar; ou, vale a pena porque a única chance de mudar alguma coisa é estando dentro dela, opção que More adotou em sua vida e na qual, diga-se, fracassou. Não é possível distinguir com exatidão o pensamento de More em todas as questões. Aparentemente simples, a narrativa do livro é sofisticada e ambivalente. O autor vale-se de dois narradores em primeira pessoa. O primeiro narrador é ele mesmo, contando seu encontro com um viajante português que teria navegado com Américo Vespúcio. O segundo narrador é esse viajante que, em longos monólogos, descreve as maravilhas de Utopia, por vezes entremeados por diálogos com More e outro ouvinte; ao final, em conclusão, More coloca em dúvida os princípios fundamentais da sociedade descrita. Thomas More, homem compenetrado, era também conhecido por seu fino humor e emoldurou sua república com duas ironias. Primeiro, chamou-a de Nusquam ou Utopia, um lugar que não existe, conforme adiante veremos. Segundo, batizou o português que descreve tal país pelo nome de Rafael Hitlodeu, ou, no original, Hythlodaye, que, em grego, significaria “pessoa que diz absurdo” (Durant). O bem estar geral dos utopianos não é gratuito. Entre outros tributos, a igualdade, princípio fundador de Utopia, paga seu preço na planificação e uniformização geral da sociedade, desde a arquitetura das cidades, onde a vida social se estrutura em torno de quarteirões padronizados, à vestimenta idêntica de todos os cidadãos, e a um sistema de leis enxuto, porém inflexível e severo. Nesse país, sem uma licença do príncipe, não tem o cidadão liberdade de viajar a uma cidade vizinha para visitar um amigo, sob pena de ser castigado como desertor. 40 // Revista da CAASP / Fevereiro 2014


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