Page 41

Revista da CAASP - Edição 09 -

Segundo Rafael, Utopia é uma república em que todos os administradores, os magistrados, os padres e próprio príncipe são eleitos por voto secreto; onde não há tirania ou intolerância religiosa, a economia é farta e abundante e toda a vida e os bens são comunitários, pelo que não existe moeda. Todos são felizes. Menos, naturalmente, os condenados à escravidão ou à morte, castigos frequentes para os utopianos que desobedecem às leis. É necessário refletir sobre algumas das benesses utopianas que Rafael alardeia. Em relação à não existência da tirania, por exemplo, ele diz: “O principado é vitalício, a menos que recaia sobre o príncipe a suspeita de aspirar à tirania.” Mas em Utopia a tirania do príncipe talvez seja de todo desnecessária, porque o rigor da lei é absoluto. Por exemplo: “Reunir-se fora do senado e das assembleias do povo para deliberar sobre os negócios públicos é um crime punido com a morte.” A liberdade religiosa em Utopia é curiosa e confusa, senão falaciosa. Justifica-se, pois as maiores paixões de More relacionavam-se às questões religiosas, que condicionaram sua vida e, ao final, sua morte. Vejamos: “Os utopianos incluem no número de suas mais antigas instituições a que proíbe prejudicar uma pessoa por sua religião ... cada um tendo inteira liberdade de consciência e fé.” No entanto, aqueles que não creem na imortalidade da alma são proscritos, porque apenas o código penal não seria freio suficiente para evitar que tais pessoas burlem as leis do país. Então, “... a esses materialistas não se rendem homenagens, não se confiam magistraturas ou cargos públicos. São desprezados como seres de natureza inerte e impotente.” Talvez por isto, a despeito do fato de os utopianos praticarem livremente diversas religiões, pela grave restrição acima indicada, por vezes considera-se a intolerância religiosa como a real característica de Utopia. Em sua vida pública, quando chanceler, Thomas More aprovou a condenação de protestantes à fogueira em três ocasiões (Durant). Ele não via inconsistência entre sua conduta e os princípios de tolerância religiosa de Utopia, pois também no livro recusara a tolerância aos ateístas, aos que negavam a imortalidade e aos heréticos que usavam de violência e insultos. More, ao criar a palavra utopia, utilizou-se da contração de dois termos gregos: o prefixo ou (não) e o substantivo topos (lugar). O significado literal de tal neologismo seria, pois, um não-lugar, um lugar que não existe. Por sua correspondência com Erasmo de Roterdam, sabemos que nos manuscritos iniciais More dera ao livro o nome de Nusquam (“em nenhum lugar”, em latim). É interessante notar que, mesmo originada do grego, a palavra utopia é dicionarizada como sendo latina, pois More escrevia em latim. Fevereiro 2014 / Revista da CAASP // 41


Revista da CAASP - Edição 09 -
To see the actual publication please follow the link above