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Revista da CAASP - Edição 09 -

Fevereiro 2014 / Revista da CAASP // 39 A utopia de More e outras utopias A palavra utopia, criada pelo livro de More, hoje na linguagem corrente significa uma quimera, um ideal irrealizável. Mais precisamente significaria um ideal político e social. No entanto, a ideia de que tudo aquilo que é utópico em si é bom e desejável parece incorreta. Até porque muitas formulações utópicas aparentemente irrealizáveis podem vir a adquirir o potencial de transformar-se em realidade, e, quando isto acontece, não é garantido que a boa ideia resulte em coisa boa. A apreciação positiva ou negativa daquilo que uma utopia propõe dependerá da ideologia do leitor. No livro de Thomas More, a pedra angular da justiça social do país imaginário dos utopianos é a abolição total da propriedade privada. Essa é uma ideia radical a respeito da qual a comunidade dos homens jamais se pôs de acordo, nem na prática, nem na teoria. O comunismo surge em Utopia como uma ideia neoplatônica. Platão é citado por More de início, sendo a justiça e a harmonia social na república de Utopia lastreada no princípio da igualdade. Perfeitamente planificada em todos os detalhes, a vida dos utopianos, inspirada em valores epicuristas, volta-se para o prazer, buscando na volúpia a felicidade. Os utopianos consideravam volúpia “todo o estado ou todo o movimento da alma e do corpo nos quais o homem experimenta uma deleitação natural.” Não apenas pelo resgate de proposições desses e outros filósofos da antiguidade, Utopia é uma obra tipicamente renascentista. Esse é apenas um dos aspectos mais visíveis, porque estamos acostumados a associar o Renascimento diretamente, e às vezes exclusivamente, à retomada das tradições filosóficas e artísticas greco-romanas. Muitos dos movimentos históricos do século XVI estão, de uma forma ou de outra, refletidos no livro. Utopia é um país imaginário que se contrapõe às mazelas europeias da época, em especial à riqueza dos nobres, à miséria do povo, à tirania dos reis e à intolerância religiosa – neste último ponto de forma especialmente ambígua, como veremos – ao mesmo tempo que aperfeiçoa a mais temível das habilidades humanas: a arte da guerra. Nisto os utopianos são engenhosos, ardilosos, oportunistas e pragmáticos. Por exemplo, toda a população é mantida em permanente treinamento militar, inclusive as mulheres, mas, devido a estratagemas políticos e econômicos, Utopia não faz a guerra usando seus soldados e sim sempre se valendo de exércitos de países amigos e de mercenários. No livro, grande atenção é dedicada à guerra e, nesse ponto, More mais parece aconselhar um príncipe, maquiavelicamente, do que contrapor-se a tiranos.


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