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Revista da CAASP - - - - Edição 08

\\ filósofos estão sempre dialogando uns com os outros, mesmo quando parecem falar sozinhos. Nesse caso, Arendt dialogava com Kant. Em “As Origens do Totalitarismo” (1951), Hannah Arendt buscara entender os crimes nazistas como manifestações do mal radical, conceito kantiano que trata de uma “propensão (humana) para o mal” que “corrompe o fundamento de todas as máximas ao mesmo tempo que, como propensão natural, não pode ser extirpado por forças humanas” (Kant apud Oswaldo Giacóia, 2011). A partir de “Eichmann em Jerusalém”, Arendt propõe o conceito de mal banal em oposição e complemento à noção kantiana de mal radical. O mal banal é o mal extremo. Diz ela em “Algumas Questões de Filosofia Moral” (1965): “O maior mal não é radical, não possui raízes, e, por não ter raízes, não tem limitações, pode chegar a extremos impensáveis e dominar o mundo todo.” (Arendt apud Giacóia, 2011). Ou, como também resume Celso Lafer: “(O mal banal) é um mal burocrático, que não tem profundidade, mas pode destruir o mundo em função da incapacidade de pensar das pessoas, capaz de espraiar-se pela superfície da terra como um fungo”. (Lafer apud Giacóia, 2011.) A capacidade de pensar aqui referida não diz respeito a dotes intelectuais – é uma dimensão moral. Trata-se da consciência moral que opera no interior das pessoas pela reflexão sobre as próprias ações, num permanente diálogo entre o Si e o Si Próprio. No pensamento arendtiano, ser humano e pessoa são entidades ontológicas distintas. À falta da reflexão moral, que exige também a lembrança, o ser humano não atinge a dimensão de pessoa, daí: “o maior mal perpetrado é o mal cometido por Ninguém, isto é, por um ser humano que se recusa a ser pessoa. ... Poderíamos dizer que o malfeitor que se recusa a pensar por si mesmo no que está fazendo e que, em retrospectiva, também se recusa a pensar sobre o que faz, isto é, a voltar e lembrar o que fez (que é teshuvah, isto é, arrependimento), realmente deixou de se constituir como alguém. Permanecendo teimosamente um ninguém, ele se revela inadequado para o relacionamento com os outros que, bons, maus ou indiferentes, são no mínimo pessoas.” (Arendt apud Giacóia, 2011.) 48 // Revista da CAASP / Dezembro 2013 *Luiz Barros é escritor e jornalista.


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