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Revista da CAASP - - - - Edição 08

dimensão política e propagandística do julgamento, montado como um espetáculo no recém-criado Estado de Israel. A atuação do primeiro ministro israelense, Ben-Gurion, um dos pais fundadores do país, é objeto de análise crítica logo no início do livro e, se faltasse alguma coisa para granjear à filósofa o repúdio da comunidade judaica, esta seria a gota d´água. Face à campanha que se moveu contra ela, também a comunidade acadêmica voltou-lhe as costas, além de muitos amigos, inclusive os mais próximos. Intelectualmente, Hannah Arendt era considerada arrogante, mas esse foi o preço de sua independência. Na campanha contra ela e o livro, muitos não aceitavam como Arendt, uma judia alemã que fora detida pela Gestapo, forçada a emigrar para a França, que ficou presa no campo de concentração de Gurs, apátrida e sem direitos políticos por 11 anos... como podia ela discorrer sobre os fatos daquela forma, sem poupar qualquer das partes, nem sequer o tribunal, a tal ponto que parecia defender o inimigo? A campanha contra o livro levou-a a “profundo estado de solidão, do tipo que ela mesma já analisara, e que se instaura quando é negado a alguém o diálogo com outrem ... experimentando o que Jaspers denominou o ‘risco público’, essa insegurança em que incorrem aqueles que defendem a liberdade de pensamento sem se apoiar em nenhum movimento político, nem confiar em nada além de seu próprio julgamento independente”. (Verena Stolke, 2002) Num pós-escrito, referindo-se à controvérsia sobre o livro e à campanha movida contra ela, Hannah Arendt refere-se que o “clamor ... versava sobre assuntos que muitas vezes não só não foram mencionados por mim, mas que nunca me ocorreram antes”. No entanto, mesmo aquilo que ela de fato escreveu fugia à aceitação de seus críticos. Não entenderam o ponto de vista a partir do qual ela escrevia. O ponto de vista de quem, com a máxima neutralidade possível, busca a compreensão de todos os fenômenos que se apresentem, munida de poderoso instrumental de conhecimentos de história, política, filosofia moral e do direito. É dessa perspectiva, revisitando fatos históricos, que seu livro expõe as contradições, paradoxos e imperfeições do Eichmann: para a escritora, um burocrata cumpridor de ordens julgamento de Eichmann. Dezembro 2013 / Revista da CAASP // 45


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