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Revista da CAASP -- Edição 07--

esterilização compulsória das mulheres negras e pobres, cujos filhos, como se sabe, são tratados com especial atenção por setores dos órgãos de segurança pública e do sistema penal. Aqui está, a propósito, um exemplo sinistro de ação afirmativa de inclusão racial promovida pelo Estado – a inclusão penal. Não fosse o bastante, há pelo menos uma proposta em tramitação no Congresso que prevê que a imputabilidade será definida de acordo com aspectos psicossociais do acusado, aferidos em laudo emitido por junta de saúde, ou seja, o critério etário, legal, objetivo, dará lugar a um critério subjetivo: uma junta de saúde dirá se tal ou qual indivíduo agiu tendo ou não discernimento da ilicitude de seu ato. O problema, como todos sabemos, é que a diplomação em psicologia, medicina, serviço social ou direito não isenta os diplomados dos efeitos dos estereótipos e dos preconceitos construídos, reproduzidos e disseminados socialmente, como demonstram pesquisas científicas e mesmo expressões do cotidiano aparentemente inofensivas, tais como “não tinha cara de bandido”, “os bandidos estavam bem vestidos” etc. Dúvida não pode haver, portanto, de que diminuição da maioridade penal não apenas deixa intactos os problemas centrais da política de segurança pública, como também permite a legitimação da velha e sempre presente noção lombrosiana de criminoso nato, introduzida no Brasil pelo chamado fundador da Medicina Legal, Raymundo Nina Rodrigues: “O nosso Código Penal vigente (...) trouxe-nos portanto um progresso reduzindo a menoridade de quatorze para nove annos (...) no Brazil, por causa das suas raças selvagens e bárbaras, o limite de quatorze annos ainda era pequeno! (...) as raças inferiores chegam à puberdade mais cedo do que as superiores (...) quanto mais baixa fôr a idade em que a acção da Justiça, ou melhor do Estado se puder exercer sobre os menores, maiores probabilidades de êxito terá ella, visto como poderá chegar ainda a tempo de impedir a influencia deletéria de um meio pernicioso sobre um caracter em via de formação, em época em que a acção delles ainda possa ser dotada de efficacia”. (Raymundo Nina Rodrigues. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro. Ed. Guanabara, 1894, p. 109). A despeito de ser autor de pérolas como essa, Nina Rodrigues ainda hoje dá nome ao Instituto Médico Legal da Bahia. Coisa do passado? *Advogado, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP, professor do curso de Direito da Universidade Zumbi dos Palmares, representante da OAB-SP no Conselho da TV Aberta (TV Comunitária de São Paulo). Outubro 2013 / Revista da CAASP // 57


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