Page 54

Revista da CAASP -- Edição 06

\\ das grandes fontes de encantamento da leitura, que passa a fluir naturalmente quando, após as páginas iniciais, nos rendemos à cadência da história e ao ritmo da fala de Riobaldo, o ex-jagunço que em Grande Sertão: Veredas narra sua vida em longo monólogo no qual se entremeiam causos e reflexões, a princípio desencontrados até o ponto em que todas as histórias e personagens passam a convergir, ganhando sentido e unidade. O estilo de Rosa é uma construção linguística experimental e revolucionária, fruto da imaginação do autor, sua erudição e longas pesquisas de campo, quando em viagens que fez acompanhando vaqueiros que tocavam boiadas, anotou histórias, palavras e modos de falar. O que resulta de sua criação estilística não é a reprodução do modo de falar sertanejo, como se poderia pensar, mas sim uma estilização desta fala, artisticamente construída. A linguagem do romance é indissociável da história que nele se narra – e vice-versa. Não é possível conceber-se a mesma história contada noutra forma, nem outra história que se conte daquele jeito – prova disto é que não deram certo nenhuma das tentativas de imitação do estilo de Rosa. Costuma-se sugerir ao leitor que ainda não leu Guimarães Rosa que inicie por Sagarana, seu melhor livro de contos, onde se encontra “A hora e a vez de Augusto Matraga”, por exemplo. Por apresentarem narrativas mais diretas e linguagem mais acessível, os contos são excelente introdução ao universo do autor. Em Grande Sertão: Veredas, o cenário e o enredo são sertanejos, mas a obra diz respeito a vivências, sentimentos e valores universais do homem. As reflexões de Riobaldo, em especial as de ordem metafísica que surgem a partir dos conflitos psicológicos que o atormentam, são tão importantes quanto os fatos que narra. O romance guarda um segredo que será revelado nas páginas finais. Nas primeiras edições da obra, Guimarães Rosa em nota pedia para que não se contasse tal mistério, que é desconcertante para o personagem e para o leitor, para quem ainda não tivesse lido o livro. Esse segredo custou a Riobaldo insuportável sofrimento e levou-o a conjecturar que dor tão dilacerante somente poderia ter advindo de ele ter certa feita pactuado com o demônio, vendendo-lhe a alma para ter o corpo fechado nas batalhas e tiroteios de que foi invicto vencedor como chefe de bando de jagunços. 54 // Revista da CAASP / Agosto 2013 Capa da primeira edição do grande clássico da literatura brasileira


Revista da CAASP -- Edição 06
To see the actual publication please follow the link above