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Revista da CAASP -- Edição 06

Machado de Assis: texto substantivo e irônico Agosto 2013 / Revista da CAASP // 53 Rosa, portanto, que não se preocupa em indicar onde estão as veredas para a travessia dos labirintos do sertão linguístico com que constrói a complexa narrativa de sua grandiosa obra-prima. Esse jeito machadiano, simples e elegante, prima pela concisão e pela precisão no uso das palavras, fixando talvez a máxima expressão da norma culta da língua portuguesa no Brasil. Trata-se de um padrão da mais absoluta pureza e correção, sem nada de hermético ou empolado – no inverso do que ainda hoje se vê em gente que fala ou escreve buscando na pompa insinuar cultura ou conhecimento. Pelo contrário, lê-se Machado de Assis com a mesma facilidade com que se escuta a narrativa oral de uma história. Sua fluência leva a crer que escrevesse com naturalidade total, de primeira mão ou quase, sem qualquer dificuldade no encadeamento da narrativa ou na escolha das palavras. O fato de suas obras, inclusive os romances – esses na forma de folhetins –, terem sido primeiro publicados em jornais foi determinante para seu estilo objetivo. E sua iniciação na imprensa como aprendiz na tipografia diz muito: ele aprendeu concretamente, como requeria o ofício de tipógrafo, a compor as palavras uma a uma a partir das letras e as sentenças a partir de cada palavra cuidadosamente composta sobre o tabuleiro. Não cabe classificar nenhum dos dois escritores como pertencentes a escolas literárias específicas. Por sua grandeza são únicos. Aos livros que Machado de Assis escreveu na maturidade não se aplicam tais categorizações reducionistas. E Guimarães Rosa, ao romper com as narrativas lineares ou testemunhais do regionalismo, com Grande Sertão: Veredas elevou-se às dimensões maiores da literatura – essas dimensões do simbólico e do universal em que se buscam o sentido da vida e da morte, do destino, do mundo, das coisas... onde o homem mais crente questiona a existência do diabo e, assim, a própria existência de Deus. Grande Sertão: Veredas é portentoso, um livro extraordinário, de dimensões épicas, e que se inclui entre as grandes obras da literatura universal. Diferentemente da fluência de escrita e de leitura que se encontra em Machado, a linguagem de Rosa é tão agreste quanto o sertão e os personagens que retrata, não sendo fácil no começo penetrar na história. Mesclando o linguajar oral sertanejo com o idioma escrito formal, inventando palavras, pervertendo a sintaxe – fazendo, enfim, gato e sapato da língua portuguesa – a linguagem de Guimarães Rosa causa estranhamento a quem a enfrenta pela primeira vez. Mas é exatamente a linguagem uma


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