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Revista da CAASP - Edição 26-

frequência se manifesta ao meio das histórias, ou em preâmbulos que as antecedem, pontuando observações, acentuando as análises psicológicas dos personagens e, inclusive, dando conta de sua dificuldade de narrar tal história que vem contando. Em suas histórias, Thomas Mann domina exemplarmente o desenrolar do tempo. O tempo, para ele, adquire as feições de um personagem – às vezes sendo o principal personagem. É impossível aqui comentar, ou mesmo apenas elencar, todos os seus livros. Sua obra inclui romances, contos, novelas e ensaios, além de palestras e conferências. Por seus escritos Thomas Mann alçou-se à dimensão de grande humanista. Ao realismo de seu primeiro livro, Os Broddenbrooks, múltiplas outras formas literárias foram se agregando, incluindo dimensões simbólicas e míticas. Sempre reflexivos, seus escritos também são filosóficos e a ironia é um recurso de que amiúde lança mão. Dentre suas novelas – contos estendidos ou pequenos romances –, destaca-se As Cabeças Trocadas (1940). Publicado durante os mesmos anos da reconstrução épica que o escritor fazia dos povos do Oriente Médio, na tetralogia José e Seus Irmãos, o livro remete-nos à Índia antiga. Tendo como subtítulo “Uma lenda indiana”, é a história de um triângulo amoroso, tendo como centro uma linda mulher que ama dois amigos inseparáveis, um deles o seu marido, de invejável intelecto e corpo franzino, e o outro, por quem ela anseia em suas fantasias eróticas, um homem rude, porém dotado de um corpo avantajado e voluptuoso. Numa história peculiar e delicada – apenas pelo tempo mitológico da narrativa, que disfarça os seus aspectos brutais –, esses dois homens, em profundo sofrimento amoroso, decepam cada qual a própria cabeça num templo, em imolação REVISTA DA CAASP 63 à deusa do local. A mulher, desesperada, recebe da deusa a dádiva de fazê-los reviver, no entanto ao recolocar as cabeças nos corpos, coloca a cabeça de um no corpo do outro. Trocadas as cabeças, ficou com o homem ideal, um marido de intelecto avantajado e o corpo robusto. Mas será? A troca foi acidental ou de propósito? E quais foram as consequências do ato desta mulher? Para saber, só lendo. O livro está esgotado, mas pode ser encontrado à venda nos sebos. Nesta história quase singela, posto que lendária, não são simples as questões que se colocam. Trata-se, como já se aponta nas orelhas da edição de 1987 da Nova Fronteira, de contradições da pessoa humana, das relações entre a beleza física e a riqueza espiritual, da cisão entre a atração sexual e a admiração amorosa, do conflito entre o desejo e a proibição, do choque entre o sagrado e o profano, da dicotomia entre o corpo e a mente, para não dizer da alma. Thomas Mann jamais trata de coisas simples e triviais.| Luiz Barros é escritor e jornalista LITERATURA O escritor e sua família. Reprodução WEB


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