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Revista da CAASP - Edição 26-

56 REVISTA DA CAASP Um terrível crime ocorreu numa floresta: um samurai foi assassinado por um bandido e sua mulher estuprada à sua vista antes que fosse morto – estes poderiam ser supostamente os fatos, a partir dos quais quatro testemunhas são ouvidas num tribunal. A única verdade objetiva desta história é o fato que o samurai está morto. Todo o resto é incerto e incognoscível. Qualquer conclusão sobre o que realmente ocorreu na floresta seria impossível ou temerária. Isto porque a versão das quatro testemunhas sobre o crime são divergentes e antagônicas, buscando cada uma contar a história que menos a comprometa ou melhor lhe favoreça. São narrativas totalmente subjetivas, portanto. Durante as filmagens, Kurosawa sempre se negou a responder perguntas sobre os mistérios do crime aos atores e à equipe, segundo relatos históricos de cinema, ficando claro que qualquer conclusão somente poderia ser individual e subjetiva. Como a história encerra-se com os depoimentos, sem que aja manifestação dos juízes, a dificuldade de buscar-se a verdade objetiva a partir de relatos subjetivos apresentados em juízo por testemunhas é integralmente lançada à responsabilidade do espectador. As testemunhas são um lenhador que teria encontrado o corpo do samurai, um bandido famoso na região que é tido inicialmente como o criminoso, a mulher do samurai e o próprio samurai morto, que depõe por intermédio de um médium. À medida que a narrativa das quatro testemunhas se sucede no tribunal, ou que suas falas são comentadas por poucos personagens no portal destruído da cidade – Rashomon quer dizer portal de uma cidade –, multiplicam-se as versões sobre os mesmos fatos, diferentes umas das outras em todos os detalhes, até o ponto máximo de colocar-se em dúvida o estupro da mulher e o próprio assassinato, que poderia ter sido um suicídio. Esse jeito de contar histórias cujo enredo é flutuante e indefinido naturalmente não se presta a retratar apenas as dúvidas que podem pairar sobre a elucidação de um crime ou a potencial incerteza de um veredicto baseado em testemunhos contraditórios num tribunal. É um fato da vida a dificuldade de entender qualquer acontecimento, por mais trivial que seja, a partir do que nos é narrado por diferentes pessoas que, a um conto que contam aumentam um ponto. A consagração deste filme de Kurosawa, tido como uma de suas obras-primas, influenciou largamente o cinema, tanto do ponto de vista de suas técnicas de fotografia como pela forma de narrativa, feita a partir de pontos de vista contraditórios, o que passou a ser designado como “Efeito Rashomon”. No entanto, no cinema americano, por exemplo, quando após sugerir várias versões de uma história, ao final um filme compromete-se com uma delas – então isto é considerado um falso “Efeito Rashomon”, pois Kurosawa fez questão de deixar o enredo sem fechamento. CINEMA


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