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Revista da CAASP - Edição 24

Rubem Fonseca escreveu uma obra fiel à História e dotada de riqueza ficcionall. Lacerda, ferrenho adversário do governo. Orquestrado por Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal de Vargas, o episódio desaguou no suicídio do presidente, fato igualmente narrado no livro. O segundo crime central da narrativa, esse fictício, é o assassinato de Paulo Aguiar, um industrial metido em negociatas com o Banco do Brasil. É com a descrição crua e brutal desse homicídio, condensada em poucas linhas, que Rubem Fonseca começa o romance. Em rápida sequencia, a ação se deslocará para o Palácio do Catete, onde veremos o Anjo Negro, como era conhecido Gregório Fortunato, e também, em seguida, o próprio Getúlio, já apresentado como um velho alquebrado, sentado à cama de seu quarto e vestido com pijamas listado. A contínua alternância de cenas entre o núcleo histórico da narrativa e as tramas ficcionais perpassa todo o livro, REVISTA DA CAASP 71 até que, a partir de certo ponto, surgem convergências e os personagens nascidos da imaginação do autor adentram as cenas históricas. Certos personagens ficcionais, ao se referirem aos reais, ou ao interagirem com eles, pontuam julgamentos de valor sobre os acontecimentos naqueles dias em que o país estava imerso num “mar de lama”, nas palavras cunhadas por Lacerda. À medida que avançamos na leitura, é inevitável perceberem-se analogias dos tempos de então com os dias atuais, em especial pela corrupção generalizada, pelo nepotismo, o clientelismo, o compadrismo e por aí vai. Nas partes históricas, Agosto é predominantemente uma reportagem, nitidamente construída a partir de pesquisa documental e exame de jornais da época. Nessas passagens por vezes há frases e parágrafos retóricos e vazios, pode-se dizer, citando trechos de discursos de políticos, chefes militares ou editoriais jornalísticos rançosos. Mas isto é o de menos, pois essas passagens estão ali exatamente a serviço de mostrar o teor de tais falas – e o que predomina é o estilo direto de Rubem Fonseca e sua narrativa ágil, sem subterfúgios. Das frases curtas, e diálogos rápidos e incisivos, emerge uma realidade nua e crua a cobrar de todos os personagens, sejam os históricos, sejam os fictícios, que mostrem seu verdadeiro caráter. Afora serem em sua maioria corruptos, à exceção do protagonista Alberto Mattos, o comissário de polícia que investiga o assassinato de Paulo Aguiar, todos se destacam por serem dissimuladores, incompetentes e, acima de tudo, desleais. O estilo dos romances policiais de Rubem Fonseca, considerados noir, tem como uma das características a leveza com que apresenta temas pesados, embora envoltos em fortes cores expressionistas. LITERATURA


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