Page 55

Revista da CAASP - Edição 23

mais habilitado é o advogado. As mudanças sociais e históricas subjacentes à narrativa são determinadas pela chegada da ferrovia e, com ela, das cidades, encerrando-se o tempo dos grandes ranchos de criação de gado, sem cercas e sem limites, em defesa dos quais, a soldo dos rancheiros, reinava na região Liberty Valance (Lee Marvin), um pistoleiro implacável e temido por todos, menos pelo vaqueiro Tom Doniphon e pelo advogado Ranson Stoddard. John Ford, ele mesmo um mito insuperável do cinema de faroeste, reuniu três artistas mitológicos no gênero: os mocinhos John Wayne e James Stewart como protagonistas, e Lee Marvin, que se alinha entre os maiores bandoleiros do cinema, como antagonista. Desde sua chegado ao oeste, o advogado defende que todos os problemas devem ser resolvidos pacificamente pela lei, enquanto o vaqueiro e os demais somente acreditam na força dos revolveres. O lirismo do filme é dado pela forma discreta e cavalheiresca com que o cowboy interpretado por John Wayne cede a fama pelo enfrentamento do vilão ao advogado vivido por James Stewart, assim conscientemente perdendo também a disputa pelo coração da mocinha. A ironia aparece em múltiplas formas, a mais forte sendo o fato de que exatamente ao advogado pacifista é conferida a glória de ter matado o vilão, assim granjeando, de maneira inversa a seus credos, a fama que o levou a ser governador do estado e senador. Essa ironia é redobrada quando a narrativa em flash-back desnuda diferente verdade: fora o cowboy que o defendera, atirando e abatendo na penumbra o facínora, quando este em duelo desigual REVISTA DA CAASP 55 mataria o advogado. No fim da vida, tendo voltado à cidadezinha onde a história se passou, para o enterro do velho amigo cowboy cuja história ninguém mais conhecia, o advogado e senador acaba por concordar em dar uma entrevista ao jornal local em que, pela primeira vez, desvenda o segredo que o atormentava: não fora ele quem matara o facínora. Debalde. Ao fim da história, o editor do jornal simplesmente rasga os seus apontamentos, e, interpelado pelo senador se então nada seria publicado sobre a verdade, ouve talvez a mais famosa frase do cinema de John Ford: “Aqui é o Oeste, senhor. Quando a lenda é maior que o fato, publique-se a lenda”. (Luiz Barros). | John Ford: nome maior do cinema americano. Épico e lírico. CINEMA


Revista da CAASP - Edição 23
To see the actual publication please follow the link above