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Revista da CAASP - Edição 22---

EENNTTRREEVVIISSTTAA \\ Quando eu escrevo, coloco no texto marcações em pontos que considero importantes. E assim assinalei um trecho que dizia “15 mil índios se preparavam em São Borja”. Minha nossa! Os militares queriam que eu desse o endereço dos índios. Então eu disse que se contasse com 15 mil índios armados, não estaria sendo interrogado naquele momento. Quando os militares invadiram esta casa em que estamos, levaram livros sobre Santo Agostinho, que chamavam de “santo comunista”, e São Francisco de Assis, de quem eles tinham verdadeiro ódio. A repressão política acaba sendo motivadora de uma arte engajada de qualidade, não? Sim. Nessa peça dos índios, por exemplo, tem um interrogatório e um julgamento de padres jesuítas. Outra peça de minha autoria, “O Evangelho segundo Zebedeu”, passa-se num circo, com pessoas imaginárias que transmitem ideias que seriam subversivas. Essa peça foi proibida durante cinco anos. Depois, quando encenada, teve entre os atores meus amigos advogados Belisário dos Santos Júnior (que seria secretário de Justiça do Estado de São Paulo de 1995 a 2000) e Luiz Eduardo Greenhalgh (que seria deputado federal). O grupo denominava-se Teatro Popular União e Olho Vivo (até hoje em atividade). Belisário era um ótimo ator: ela fazia o Manuel Quadrado, um líder de guerrilheiros jagunços. Você foi advogado do sindicalista Lula. O que achou dele como presidente da República e o que acha dele hoje? Eu fui um dos advogados do Lula quando ele foi preso, no fim da ditadura. Atuei ao lado do Greenhalgh, do Iberê Bandeira de Mello, da Rosa Cardoso. O Lula era um sujeito que se colocou como uma bandeira dos trabalhadores e assim foi aceito. Alguns acham que seus governos poderiam ter ido mais longe em termos de avanços sociais. Isso vai ser julgado pela posteridade. Acho que se esperava mais do Lula. De qualquer forma, no governo dele tivemos avanços importantes. De outra parte, não se sabe o que se passa nos bastidores dos governos, e por isso volto a dizer que às vezes é melhor avançar um passo do que tentar avançar três e ter de retroceder. Eu acho que as nossas bandeiras devem ser recolocadas. Não há nenhuma vergonha em se trazer a bandeira do Movimento Sem-Terra, por exemplo, ou de qualquer bandeira por melhores condições de estudo, de vida, de segurança. O Brasil precisa de reformas. A reforma agrária, que é tema desde os meus tempos de faculdade, nunca aconteceu. Os resultados da Comissão da Verdade foram satisfatórios? O ministro dos Direitos Humanos era o Paulo Vannuchi quando se instaurou a comissão. Ele teve um posicionamento muito forte pelo nascimento da comissão. O grupo contou muito com o trabalho da Rosa Cardoso, advogada militante durante a repressão. Os trabalhos avançaram até onde deu. Neste momento, eu acho que não avançaria mais. 10 // Revista da CAASP / Abril 2016 “Os torturadores perguntavam quem transava com quem entre os artistas”.


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