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Revista da CAASP - Edição 20

interpretação mais aceita naquele contexto da votação. Fôssemos ainda mais a fundo no exemplo, perceberíamos que mesmo os integrantes da maioria não teceram fundamentações idênticas para justificar sua decisão. É possível até que nos afeiçoemos mais a um voto que aos outros, mas isso não quer dizer que os demais não interpretaram. É certo que não cessamos de (re)construir essa chave léxica com o que lemos o mundo. De fato, cada vivência que passamos atualiza esse conjunto de saberes, ora confirmando, ora afirmando, ora infirmando, outros itens de nosso repertório. De modo que cada um de nós, ao ler um mesmo texto em diferentes momentos de nossas vidas, podemos chegar a distintas interpretações. Assim também numa sociedade, vemos que esta também atualiza seu repertório cultural a todo instante, com o surgimento de novos grupos, ascensão de certos valores e declínio de outros, pois em qualquer cultura, tradição e novidade convivem em rica combinação, oscilando com o pêndulo do processo histórico. Reconhecê-lo implica admitir que toda interpretação é contingente: varia de acordo com os repertórios pessoais e culturais em que foi produzida. E, assim, se a decisão jurídica é formada pela interpretação dos sujeitos competentes, também ela carregará essa marca. As contingências, numa corte, são muitas: não apenas os próprios julgadores atualizam seus repertórios individuais como também a corte e a sociedade mesma que ela pretende regrar e na qual está inserida renovam sua pauta valorativa a cada tempo, fazendo a decisão justa do passado parecer ultrapassada e injusta hoje. O dever de julgar, para que seja bem exercido, depende, em boa parte, da sensibilidade do juízo para essas mudanças, percebendo que as decisões envolvem, sempre, valores. Nesse sentido, nutro a convicção de que o art. 926 do Código de Processo Civil exprime as preferências pelas estimativas de estabilidade, integridade e coerência, colocando tais valores em elevada posição no substrato axiológico sobre o qual se organiza o sistema jurídico brasileiro. Tomar tais comandos na condição de valores implica reconhecer seu papel de ingredientes indispensáveis no processo interpretativo do dado jurídico. Lido dessa maneira, não trata o art. 926 do Novo Código de engessar o processo interpretativo, cristalizando entendimentos do passado e condenando os futuros julgadores a repetirem precedentes. Nem poderia, pois é do próprio processo interpretativo a abertura à mudança. Seu papel é inserir novos valores, com destaque, em meio ao quadro de estimativas que devem considerar os intérpretes antes de decidir casos, fazendo com que mesmo as novas interpretações levem em consideração também os anseios de uma jurisprudência que seja estável, íntegra e coerente. *Paulo de Barros Carvalho, advogado, é professor emérito das Faculdades de Direito da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Dezembro 2015 / Revista da CAASP // 51


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