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Revista da CAASP - Edição 20

OPINIÃO \\ A interpretação do Direito no novo CPC Um dos dispositivos mais comentados com o advento do Novo Código de Processo Civil é seu art. 926, cuja redação é esta: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Tal comando deixa entrever o anseio de tomar o direito como um todo sistematicamente produzido, pois os atributos de estabilidade, integridade e coerência imprimem a marca de um modelo bem organizado. Trata-se de anelo compreensível neste momento da experiência jurídica brasileira, no qual os intérpretes tantas vezes se veem surpreendidos pelas várias mudanças nas composições das cortes nacionais e, especialmente, com a velocidade com que entendimentos antes firmados nesses foros são objeto de revisões dando origem a orientações que contradizem os posicionamentos anteriormente fixados. Se, porém, tomarmos distância da concretude dos acontecimentos para observarmos o problema a partir de um patamar mais elevado, perceberemos que o tema não é privilégio de nossos tempos. Com efeito, trata-se de um dos elementos inerentes ao processo interpretativo que se desenvolve em qualquer seara da experiência humana, seja no direito, seja na construção de uma ciência sobre os fenômenos do mundo que pretendemos observar, seja nas interações cotidianas: vivemos a interpretar o mundo e atribuir sentido aos signos que nossos sentidos apreendem. Toda vez que interpretamos, atribuímos sentido aos signos. Não encontramos significados, como se fossem coisas prontas, acabadas, esperando para que sejam descobertas. Muito ao contrário: se o leitor consegue compreender sentido nessas palavras, é porque detém uma série de conhecimentos sobre a língua portuguesa, o alfabeto romano, o direito, a filosofia… e utiliza tais saberes, relacionando-os com as marcas de tinta que nesta revista dão corpo às palavras que escrevi. Um analfabeto, porém, não lograria a mesma proeza, pois lhe faltam conhecimentos necessários para elaborar as construções intelectivas que nós chamamos sentido do texto. Um e outro deparam-se com a mesma instância física do texto, mas um compreende o sentido, o outro não. O significado de um texto qualquer não é produto da matéria física, mas da construção intelectual que fazem os sujeitos a partir do contato com o suporte captado pelos seus sentidos e um repertório de conhecimentos prévios. Ocorre que esse repertório nunca será idêntico para duas pessoas, tal como é impossível que dois indivíduos tenham exatamente as mesmas vivências e conheçam as mesmas coisas. Esse acervo, síntese da cultura em que vivemos e das experiências individuais, cria uma espécie de chave léxica segundo a qual lemos o mundo que nos cerca em sua infinidade de signos. Também assim é no direito. Quando os ministros do STF decidem pela constitucionalidade de uma lei, dificilmente chegam a uma decisão unânime. Isto não significa que os autores dos votos vencidos não saibam interpretar o direito ou que falharam nessa atividade; representa tão somente que aquela não foi a 50 // Revista da CAASP / Dezembro 2015 Por Paulo de Barros Carvalho* Arquivo OAB-SP


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