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Revista da CAASP - Edição 20

EENNTTRREEVVIISSTTAA \\ advogado militante. Noutro dia ele me avisou, dentro da faculdade: “Tome muito cuidado, pois estão examinando sua declaração de rendimentos”. Falava-se muito em dinheiro vindo da China. Eu disse a ele: “não há problema, professor. A minha advocacia é muito modesta, e em relação aos casos políticos eu não cobro honorários”. Uma vez minha mulher me disse, quando eu saía para uma audiência: “Foi preso o Heleno Fragoso, o Sobral Pinto também. E se acontecer alguma coisa com você?”. Eu disse: “O telefone do professor Munhoz de Melo é este aqui”. Ele era secretário de Segurança, o único secretário civil. Quando eu fui para a Argentina, onde tratei daquela questão dos toxicômanos, eu precisei de uma negativa do Dops, e o Dops não me dava a negativa porque eu constava como defensor em causas políticas. Mas o professor Munhoz de Melo mandou o Dops verificar se eu tinha processo em andamento, e eu não tinha, então pude viajar. Aconteciam coisas assim. De qualquer maneira, foi a maior experiência de vida que eu podia ter, nas causas que eu tive e nas alegrias que eu tive também. O que significa para o senhor, exatamente, esta a frase de Nelson Hungria: “O criminoso não é um modelo de fábrica, mas um trecho flagrante da humanidade”? Eu considero Nelson Hungria uma figura extraordinária, estou inclusive fazendo atualizações nos “Comentários ao Código Penal”, que é a obra clássica dele. É um homem extraordinário pelas metáforas. Isso vem da discussão antiga das escolas. A escola clássica dizia que o crime é um ente jurídico, sem levar em consideração as circunstâncias pessoais do criminoso, as condições sociais do crime, enquanto que a escola positiva, considerada de esquerda, examinava antropologicamente a circunstância do crime. Hungria diz que o criminoso não é um modelo de fábrica porque não é algo que possa ser estereotipado. O criminoso é parte de uma realidade da sociedade e da existência, não é uma múmia dissecada, é algo real, é um ser humano. A metáfora de Hungria é no sentido humanitário. Metáfora oportuna neste momento em que tanta gente demonstra desconhecer o desprezar os direitos humanos, não? Sim. A ONU aprovou em 1948 a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em que há 66 especificações – direito à vida, direito à propriedade, direito à segurança, direito ao emprego, direito à religião. Sessenta e seis itens! Inclusive itens sociais, econômicos e culturais. Mas no tempo da ditadura militar se falava nos direitos humanos especificamente no tocante às pessoas presas e perseguidas, então ganhou publicidade aquilo que já havia desde 1948 mas não era difundido socialmente. A difusão social ocorreu nos anos 60 e 70, em função da utilização dos direitos humanos por nós, advogados. De tal maneira foi que, com o passar do tempo, os meios de comunicação não deram ao tema a extensão que ele tem, de não se confundir só com o problema dos acusados. Houve, digamos assim, uma vulgarização da expressão direitos humanos e a ignorância quanto ao alcance da Declaração. De modo geral, as pessoas não sabem o que são direitos humanos, não sabem que eles se referem até ao direito de pensar diferente, ao direito de amar. 18 // Revista da CAASP / Dezembro 2015


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