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Revista da CAASP -Edição 15

OPINIÃO \\ O novo Código de Processo Civil e a autonomia de vontade das partes O Código de Processo Civil recém aprovado no Congresso tem algumas inovações que precisam ser devidamente notadas e examinadas na devida extensão, para que se possam realizar as suas potencialidades. Dentre as modificações de maior relevância, destaca-se um incentivo ao exercício da autonomia da vontade das partes, ligeira e parcialmente liberadas em determinados momentos do processo, da autoridade impositiva do Estado. A jurisdição estatal é, por natureza, aquilo que, em expressão um pouco pernóstica, se poderia chamar um oximoro: é um benefício perverso. Confere aos conflitos de interesse jurídico o benefício da solução coercitiva, nos limites do interesse pela paz social, e com eficácia assegurada. Ir a juízo significa renunciar à violência como forma de solução de conflitos, o que é inegavelmente uma conquista. Mas, em certa medida perverte o caráter instintivamente gregário da natureza humana, incentivando a declaração de incapacidade de convivência pacífica autônoma. Ir a juízo significa o reconhecimento da incapacidade de alcançar a justiça pela própria força da cidadania e sem a intervenção do Estado. No Brasil, os dois Códigos de Processo Civil anteriores, o de 1939 e o de 1973, foram promulgados em períodos de ditadura. Coloriam-se em tons mais fortes os sinais de poder incontrastável do Estado. Eram tempos em que a ordem jurídica se entendia como resultante quase exclusivamente do exercício do poder do Estado. Nesse contexto, era natural que a autoridade do juiz na condução do processo se manifestasse absoluta e inflexível, até mesmo quando as partes estivessem, quanto a etapas do processo, em acordo quanto a solução diversa. As partes se auto-designavam “suplicantes”. As chamadas regras de segurança do processo eram inegociáveis, mesmo quando as partes se quisessem compor. Exemplificativamente, as partes não podiam entrar em acordo quanto aos prazos. A testemunha não tinha voz própria. Registrava-se como depoimento dela o que o juiz entendesse que a testemunha teria dito. As partes não perguntavam diretamente à testemunha. Perguntavam ao juiz-Estado, que adaptava a pergunta ao seu entendimento dos fatos, da lei e do objetivo da prova. Os exemplos poderiam ir ao infinito. O processo era de tal forma símbolo do poder absoluto do Estado, que se chegou à teoria de que 52 // Revista da CAASP / Fevereiro 2015 Por Celso Cintra Mori Arquivo Pinheiro Neto Advogados


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