Page 50

Revista da CAASP -Edição 14 - Final - 6

OPINIÃO \\ Funeral da cordialidade Por Manuel Alceu Affonso Ferreira* Realmente, a idade traz problemas. Alguns contáveis sem sobressaltos; outros somente confidenciáveis aos parentes próximos; finalmente aqueles a serem engolidos e silenciados. Nos septuagenários a irritabilidade costuma ocupar posição de destaque. Todavia, nem sempre a sensibilidade trazida pelos anos há de ser calada... Amparado nessas antecipadas justificativas, decidi revelar aos leitores da Revista da CAASP o motivo da minha a cada vez mais crescente irritação com o ambiente forense. Refiro-me à amazônica grosseria que a todos os dias compromete a conduta profissional; à ronceira incivilidade no tratamento interna e externamente dispensado aos agentes jurídicos de qualquer categoria; ao sepultamento contínuo dos mais comezinhos preceitos de uma convivência minimamente civilizada. Em um sintetizador conceito, aludo aqui à achavascada asfixia daquilo que, durante longo e memorável período, notabilizou o nosso relacionamento interpessoal: a cordialidade. O regramento deontológico é taxativo. Manda o advogado portar-se com lhaneza e polidez na linguagem1. Igualmente clara é tal obrigação no tocante à Magistratura, à qual o estatuto ético dita a “cortesia” na interlocução funcional2. Também dos representantes do Ministério Público se exige a urbanidade3. Lamentavelmente, contudo, sem que (felizmente) tal procedimento represente fenômeno invariável, muitos advogados, juízes, promotores e escreventes ignoram a cortesia, sendo aqueles que a adotam reputados carentes de necessária energia postulatória, decisória ou opinativa. A era do peticionamento eletrônico e dos julgamentos virtuais, a despeito de vantagens dissertadas pelos entusiastas do sistema, vem servindo para transformar o processo em um frio e mecânico instrumento que inviabiliza o contato humano entre os partícipes da lide. Procuradores e julgadores, curadores e cartorários, já não mais travam relações pessoais. Quem por eles fala, assumindo-lhes os papéis, são gélidos computadores. O seu único canal de comunicação é a insípida e inodora internet. Não há palco para simpatia ou bom trato, coleguismos ou atenções. No processo internáutico a afabilidade e a camaradagem são virtudes forasteiras. Inexistem gestos simpáticos ou respeitosos carinhos. Tudo é glacial, lapônio, desprovido de afetuosa exteriorização. 50 // Revista da CAASP / Dezembro 2014 Arquivo OAB-SP


Revista da CAASP -Edição 14 - Final - 6
To see the actual publication please follow the link above