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Revista da CAASP -Edição 14 - Final - 6

PARCERIA \\ O movimento de visitas é grande na manhã de sábado. Em um canto, com o cenho franzido, está Maria de Lourdes Ribeiro César, de 86 anos. Viúva de um advogado, que foi auditor fiscal do Estado, ouve a filha, Maria Tereza, e a neta, Bárbara Heliodora. Continuou morando num grande apartamento quando o marido faleceu, há 21 anos. Mergulhou numa depressão e teve micro AVCs. A neta, que é artista plástica, foi morar com ela, mas como Bárbara não podia ficar o tempo todo em casa, em razão de compromissos profissionais, a família viu que era hora de buscar ajuda profissional. “Foi doloroso. Mas aqui ela melhorou muito”, diz Maria Tereza, a filha. Maria de Loudes, a mãe, ouve com atenção e dá um largo sorriso. Ela não está mais com expressão fechada. Numa mesa, quatro hóspedes estão sentados para almoçar. A comida é servida e a dona do hotel, que é católica, convida todos para uma oração. “Obrigado, Senhor, por este alimento. Queira nos abençoar, nos dando muita paz e saúde”, diz ela. Para chegar ao andar de cima, usa-se a escada ou uma cadeira automática de acessibilidade. Numa escrivaninha do corredor, a enfermeira padrão Cláudia Gomes dos Santos Leite, responsável técnica pelo lugar, confere os prontuários de cada um. “Aqui não é um hospital, mas todos têm monitoramento diário, como medição de pressão, temperatura, funcionamento do intestino e outros cuidados”, conta. Detectado um problema, o médico é acionado. Perto da escrivaninha, há alguns balões de oxigênio. São alguns dos poucos equipamentos dali que lembram doença. Cada quarto tem duas camas, de madeira, o mesmo material do armário, todos pintados com cores vivas. A enfermeira conta que, há quatro anos, quando foi convidada para trabalhar ali, aplicou o primeiro teste para ver se a casa era adequada. “Não tinha cheiro de urina e eu vi que dava jogo. Era gente séria”, relembra. Para os profissionais, o cheiro de urina numa casa de repouso é como um painel de led piscando “depósito de gente!” ou “depósito de velhos!”. “Para o bom entendedor, e isso vale para a família que procura um lugar decente para familiares, é um aviso: fuja!”, orienta a enfermeira. Dicas como esta se tornam mais importantes num país que muda radicalmente o seu retrato etário. Em 1960, o desenho era o de uma pirâmide. Na base, quase 43 por cento dos brasileiros tinham menos de quinze anos de idade. No topo, só 2,7% passavam dos 65 anos. O IBGE indica que, daqui a seis anos, a base terá 24% e a ponta, 9,2. O desenho do perfil etário deixou de ser pirâmide e se aproxima de um retângulo. Com a redução da mortalidade infantil e os avanços da medicina, a expectativa de vida mudou bastante. Na década de 60, era de 52,6 anos, em 2010 passou para 73,8 e deve chegar a 76,1 em 2020. Com homens e mulheres de 15 a 64 anos cada vez mais ocupando bancos escolares e postos de trabalho, numa rotina intensa, quem cuidará dos nossos velhos? Para ser ter ideia de como a velhice mudou, o escritor Machado de Assis no conto “Miss Dolar”, publicado na virada do século XIX para o XX, faz a seguinte descrição: “Quanto ao velho que lhe dava 30 // Revista da CAASP / Dezembro 2014 Arquivo Casa de Repouso Acalanto Arquivo Casa de Repouso Acalanto Maria Helena, com Chitãozinho e Xororó


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