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Revista da CAASP -Edição 14 - Final - 6

PARCERIA \\ Dignidade na terceira idade Arquivo Hotal da Vovó 28 // Revista da CAASP / Dezembro 2014 Reportagem de Joaquim de Carvalho A manhã em que o comerciante Antônio Raposo de Souza se tornou hóspede do Hotel da Vovó é uma das lembranças mais tristes na vida da administradora Fátima de Medeiros Souza. “Chorei muito. Eu sofria com um sentimento de culpa muito grande”, diz Fátima. Três meses depois, ela voltou à casa de repouso e tirou seu pai de lá. Passados mais alguns meses, Fátima estava outra vez no Hotel da Vovó, e o sentimento de culpa tinha desaparecido. “Descobri a duras penas que aqui ele tem mais qualidade de vida”, afirma, enquanto segura a mão de um homem de 84 anos, rosto emagrecido pelos seis anos do Mal de Alzheimer, hoje na fase da doença em que é obrigado a se alimentar por cateter injetado numa veia do braço, como se fosse soro, já que desaprendeu a mastigar. Casas como o Hotel da Vovó são cada vez mais comuns no Brasil. “A população envelheceu e o País não se preparou para cuidar de seus velhos”, diz a advogada Lélia Rosely Barris, que criou o Hotel da Vovó em 2007, quando descobriu em casa a dificuldade de lidar com os complexos problemas que atingem os idosos. Sua mãe, aos 80 anos, fraturou o fêmur enquanto cuidava do apartamento onde morava sozinha. Internada, passou por uma cirurgia e sofreu complicações. Acabou na UTI, de onde só saiu numa cadeira de rodas. Durante quatro anos, ficou sob atendimento de uma cuidadora, mas sua saúde foi debilitando até que a filha descobriu, diante da dificuldade de encontrar um modelo de tratamento ideal para a situação da mãe, que o melhor era abrir a própria empresa. Foi assim que nasceu o Hotel da Vovó. O nome da casa de repouso tem duas razões. A primeira é que, chamando-se hotel, a casa se afasta do estigma de asilo ou clínica. A segunda é que a mãe de Lélia teve dois hotéis, um em Minas Gerais, na região de Uberaba, outro no interior de Goiás. Ao dar esse nome à casa de repouso, a filha lhe fez uma homenagem e lhe proporcionou viver a maior parte de seus 84 anos em um hotel, primeiro como dona, depois como hóspede. Hóspede? Sim, na casa onde estão vinte idosos, com idades que variam de 69 a 96 anos, é proibido usar palavras como pacientes ou internos. “Eles estão aqui para desfrutar da vida, não para esperar a morte”, define Lélia. O hotel funciona em um sobrado que fica numa rua estreita e de pouco movimento na Vila Bonilha, em Pirituba, São Paulo, a meia hora de carro do centro da cidade (com trânsito livre). A reportagem da Revista da CAASP esteve lá, numa manhã de sábado. O muro da entrada é alto e não é possível, para quem está na rua, ver o que se passa lá dentro. Depois do portão, um jardim, com floreiras a um metro de altura. Mas, em vez de flores, estão plantadas verduras. É uma horta cultivada pelos próprios hóspedes. Como não podem se abaixar, a terra foi suspensa, e muitos se dedicam à plantação. Arquivo Hotal da Vovó Lélia (ao centro), com a mãe e a irmã


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