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Revista da CAASP -Edição 12_-

OPINIÃO \\ Esta característica fará com que a maioria dos intérpretes, tendo a latitude suficiente, aplique o Direito sob um ponto de vista comum ao seu grupo social, que não corresponde necessariamente ao de outros grupos sociais, em especial os menos favorecidos. A leitura do noticiário nos mostra isso. No caso de criminosos de colarinho branco, o tratamento dado muitas vezes é mais leniente e pode ser infiel à letra e ao espírito da lei. Essa solidariedade de classe, que não deveria ocorrer numa sociedade igualitária, leva a concluir que esse tipo de infrator (cujo perfil social é similar ao do interprete) não pode sofrer os rigores das prisões bárbaras e medievais deste país. Permite-se que vão para sua casa e que lá fiquem no seu conforto, como aconteceu com um magistrado condenado por ter causado lesão aos cofres públicos e para muitos outros poderosos. Mas certamente há grande número de pessoas presas nas mesmas prisões bárbaras e medievais. Além disto, muito embora a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disponha, no seu Art. 5º., que “ na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, isso também nem sempre ocorre. Numa recente decisão, foi absolvido um pedófilo que tinha tido relações com duas adolescentes de 13 e 14 anos, porque os julgadores decidiram que elas seriam prostitutas e drogadas. Esqueceram-se de que as menores, mesmo prostituídas, são menores, e que o Código Penal pune essa conduta para proteger os menores em geral, sem distinguir se são drogados ou não, nem se são vítimas, em especial porque foram prostituidas. O fim social, que é o da proteção dos menores, não só é ignorado mas também afrontado, pois a consequência da decisão é um estimulo no sentido de favorecer a prostituição de menores para satisfazer a tara dos pedófilos, livrando estes da possibilidade de serem punidos. Já se disse que a lei torna o forte fraco e o fraco forte. Sabe-se, também, que há leis iníquas ou inadequadas. Mas a verdade é que, ainda que a lei seja ruim, ela ainda é a única defesa que se pode opor à desigualdade e ao abuso dos nossos direitos, e que garante às pessoas viver numa sociedade mais igualitária. Luiz Olavo Baptista é doutor em Direito Internacional pela Universidade de Paris e foi professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (aposentou-se em 2008). Presidiu o Órgão de Apelação da OMC (Organização Mundial do Comércio). No biênio 1983-84, foi presidente da CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo). 60 // Revista da CAASP / Agosto 2014


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