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Revista da CAASP -- Edição 07--

\\ Kafka, absurdo e realidade 44 // Revista da CAASP / Outubro 2013 Por Luiz Barros* O Processo e Na Colônia Penal são escritos de Franz Kafka diretamente relacionados com o campo jurídico. No início do Século XX, quando publicados, eram atuais e proféticos; hoje o autor integra a galeria dos grandes mestres da literatura universal. Nessas obras, Kafka, que era formado em Direito, tece críticas à justiça, aos tribunais e a todos os agentes da lei, desde os funcionários burocráticos subalternos aos juízes e aos advogados, denunciando os procedimentos e a ética judiciária a tal nível de crueza que não cabe aqui reproduzir. O escritor judeu de nacionalidade tcheca e que escrevia em alemão é fundamental à boa formação humanista, sem a qual o sentido da justiça parece vago. Mais do que no caso de outros autores, compreendê-lo exige considerar seu universo psicológico e social, em que se destacam, de um lado, a relação com a figura dominadora e opressiva de seu pai e, de outro, a herança histórica e cultural da comunidade judaica em Praga no início dos anos 1900. Em O Processo, o personagem K. é detido – porém não é preso, para que siga cumprindo suas obrigações profissionais – e contra ele instaura-se um processo do qual não consegue se desvencilhar, pelo contrário: a cada ação ou atitude que toma, o processo se agrava por absurdos e labirínticos desvãos. K. não sabe de que é acusado, porém a primeira frase do livro revela sua inocência: “Alguém devia ter caluniado a Joseph K., pois sem que ele tivesse feito qualquer mal foi detido certa manhã”. Progressivamente K. incorpora a acusação à sua própria identidade. Independentemente da pena que se prevê, o processo é o próprio castigo. Na Colônia Penal, com crueza ainda maior, a lógica do processo encontra a melhor síntese: “A culpa é sempre indubitável”. Trata-se de uma exata inversão de princípios universais do Direito? Sem dúvida. Resta saber se também corresponde ou não a uma perfeita inversão da prática do Direito. Em Na Colônia Penal a pena inexorável é a morte, e o delito somente será conhecido pelo acusado durante a execução


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