destruição. É trágico imaginar que a
inteligência e inventividade desse povo se viu
forçada a produzir a morte eficiente.
O romance fala ao escritor: um personagem
precisa sofrer o diabo para poder escrever o
livro dentro do livro. Para poder narrar a dor,
o personagem escritor passa pela dor que lhe
causam e que ele próprio causa; passa pelo
amor ao outro e ódio de si; a própria escrita
do livro lhe causa dor, mas também redenção.
Não deve ser diferente do que Chimamanda
Adichie passou para escrever Meio sol
amarelo. Mas, apesar de tudo, há um gotejo
otimista nesse rio de sangue. Os personagens
que sobrevivem reinventam-se, amam mais,
doam-se mais. O personagem que no início é
o mais miserável, menos dono de si, renasce
para contar a história.
Adichie não é uma revanchista armada
para vingar-se dos nigerianos, é uma
romancista, e por isso quer representar a vida
REVISTA DA CAASP 65
das pessoas comuns em tempos incomuns;
pessoas mastigadas pela mandíbula gigante
da guerra, engolidas, mas cuspidas como
Jonas. Demonstra que mesmo na busca do
bem e da liberdade o mundo é mais infernal
para crianças e mulheres; reconhece o abismo
entre os intelectuais e as assim-chamadas
pessoas comuns, cavocado bem fundo pelos
primeiros desde suas torres de marfim; expõe
a hipocrisia e futilidade existente em todos.
Meio sol amarelo está entre romance
histórico e parábola, uma história duradoura
sobre as falhas do homem e as guerras que
elas causam. Acima do substrato escuro que
é o vício pelo poder, o meio sol amarelo é
muito intenso, o romance pode ser lido como
o copo meio cheio: um dia meio claro, e não
seu contrário.|
*Vivian Schlesinger é escritora e tradutora.
LITERATURA
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