
Para que servem as bandeiras? Para
agregar ou dispersar? Para acolher ou
despejar? Para dar identidade, ou excluir?
A história da humanidade mostra que
bandeiras fazem tudo isso, são arautos da
força de uns e derrota de outros. Mas fazem
mais do que isso: carregam a narrativa
simbólica de um povo como uma advertência
contra o esquecimento. Cada povo tem a sua.
No continente africano, o vermelho, verde,
amarelo e preto aparecem nas bandeiras
da maioria das nações, quase sempre com o
mesmo significado: vermelho e preto voltados
ao passado, representando respectivamente
o sangue derramado e o luto por seus heróis;
e verde e amarelo voltados ao futuro, onde o
verde remete à natureza luxuriante, à riqueza
que virá, e amarelo à luz e ao brilho que os
aguarda.
Quem se lembra de Biafra? Para quem
nasceu antes da década de 1960 o nome Biafra
imediatamente traz imagens de crianças
esquálidas, seminuas, com cabeça e abdôme
anormalmente grandes, olhando fixamente
a câmera que as transforma em uma versão
africana das vítimas do Holocausto. Biafra é
sinônimo de morte pela fome, mas não em
decorrência de incontroláveis catástrofes
naturais e sim pela decisão do homem. Entre
um e três milhões de crianças e adultos de
Biafra morreram de fome entre 1967 e 1970,
REVISTA DA CAASP 59
enquanto boa parte do mundo assistia, inerte.
A bandeira de Biafra, com suas quatro
cores, também teve vida curta e não pôde ser
salva a despeito do luto, memória, riqueza
natural e esperança por ela representados.
Em uma bem-sucedida tentativa de
resguardar a memória de Biafra em 2006,
Chimamanda Ngozi Adichie, autora nigeriana,
lançou Meio sol amarelo (Companhia das
Letras, 2017), seu romance mais aclamado.
O sol do título refere-se à figura central na
bandeira de Biafra, que em si condensa toda
a esperança de independência da população
do sul da Nigéria, tragicamente perdida e
quase esquecida.
Adichie nasceu no ano de 1977 em Enugu,
Nigéria, portanto não havia nascido na época
da guerra civil da Nigéria, mas seus pais e
avós sim, e todos nela perderam a vida. De
família de classe média alta, a autora cresceu
em um ambiente culto, acadêmico, onde
muito se falava sobre aquele período terrível
que deixou marcas indeléveis. Segundo
Binyavanga Wainaina (1971-2019), vencedor
do Prêmio Caine de Literatura Africana,
“muito da experiência da nossa geração de
africanos reflete nossas reações aos tempos
atuais baseadas nas guerras, batalhas
e acontecimentos sobre os quais pouco
sabemos, mas que continuam a nos definir”.
LITERATURA WEB
WEB A escritora Chimamanda Adichie.
Quem se lembra das crianças de Biafra?