Num repente, assistindo ao noticiário do
58 REVISTA DA CAASP país, veio-me à memória uns certos versos
da literatura de cordel, do Cego Aderaldo
– Aderaldo Ferreira de Araújo (1878-1967),
que li ainda menino, há mais de 50 anos:
Não há quem cuspa pra cima
Que não lhe caia na cara
E logo depois outros, na verdade um
trava-línguas:
Quem a paca cara compra
Paca cara pagará
São famosos versos da clássica: “A Peleja
do Cego Aderaldo com Zé Pretinho”. O
cearense Cego Aderaldo, mestre inconteste
das rimas, nessa disputa poética de
improviso, acontecida em 1914, esbagaça
Zé Pretinho dos Tucuns, um repentista
do Piauí, conforme o registro de Firmino
Teixeira do Amaral, em folheto de cordel
que rodou o país.
Antes do desenlace, todavia, como é de
regra nas pelejas, os adversários lançam
infames e crescentes desafios um ao outro,
ofendendo-se sem pejo, sem dó nem
piedade.
Nessa disputa poética, cabe indicar,
Zé Pretinho azarou-se por não conseguir
seguir ao Cego nas inúmeras variações do
trava-línguas “Quem a paca cara compra /
Paca cara pagará” lançados a ele pelo Cego,
acabando por perder-se no palavreado, na
guerra das rimas, da métrica, do ritmo,
das palavras e seus sentidos. Na verdade
perdeu-se por si mesmo: sem saber o que
dizer, disse a coisa errada.
Por que de minha longínqua memória de
menino aflorou neste momento a poesia do
cantador é coisa que não discutirei. O que
é interessante discutir, para não dizer da
sabedoria do Cego Aderaldo, é por que tais
versos permaneceram em minha memória,
dormentes por décadas, malgrado eu
pouco os tenha revisitado desde então.
Trata-se aqui de um caso não fortuito, pois a
facilidade de memorização dos folhetos de
cordel é uma das características marcantes
desta literatura.
Tal memorização se dá pelas regras
poéticas clássicas, a rima, a métrica e o
ritmo. E pela leitura em voz alta dos cordéis,
que, aliás, é a melhor forma de leitura de
qualquer tipo de poema. Como nesse
caso, muitas vezes os folhetos de cordel
são transcrições de notícias, histórias
ou pelejas recitadas pelos cantadores
LITERATURA
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