No campo jurídico, mas não só, a
52 REVISTA DA CAASP sociedade futurista retratada por Steven
Spielberg em Minority Report levanta à
reflexão graves questões. O filme coloca
em xeque pilares de um sistema jurídico e
judicial regido por direitos constitucionais
e democráticos, propondo uma duvidosa
harmonia advinda de um sistema policial
com poderes ilimitados.
Alguns exemplos da distopia retratada
pelo cineasta são a punição – diga-se:
punição legal naquele regime – de um
suposto futuro criminoso sem que o crime
tenha ocorrido; o julgamento de um crime
antecipadamente à sua ocorrência, que
aliás não se consumará; a inversão do
princípio in dubio pro reo, e por aí vai.
No ano 2054, o crime está extinto em
Washington, DC. O Departamento de Pré-
Crime da polícia da cidade atingiu a meta
de eliminação total dos crimes na capital
e o sistema está para ser expandido para
todo o país.
O departamento utiliza-se de uma
parafernália tecnológica que inclui
recursos de vigilância total dos cidadãos,
usando câmeras de identificação
pupilar instantânea espalhadas por
todos os recantos, complexos sistemas
computacionais, agentes policiais
superequipados, mini robôs espiões e tudo
o mais que se possa imaginar presente
num filme futurista e repleto de efeitos
especiais dirigido por Spielberg.
A partir de um alarme emitido pelo centro
operacional do sistema policial, que sinaliza
a iminência de um assassinato, indicando
os nomes do futuro assassino e da futura
vítima, os agentes especiais entram em
ação e, então, em espetaculosas cenas de
ação – ou de ação e violência – salvam a
vítima na hora H, prendendo o suposto
assassino que ainda não a assassinou,
que vai diretamente ao cumprimento da
pena, de forma imediata, severíssima e
inexorável.
Cabe notar que no momento em que
os agentes especiais recebem o alarme de
ação, e enquanto vasculham os sistemas
computacionais para identificar o local do
futuro crime que será objeto da prevenção
policial, observadores de outra instância
governamental, talvez procuradores,
acompanham a operação, tal como
fossem os auditores da operação; com isto
participando de sua autorização.
Então vejamos. Não houve assassinato.
Não há vítima, não há o assassino.
Pode ter havido intenção, demonstram
cenas do filme. Mas, igualmente, não
houve julgamento, salvo a homologação
antecipada da operação policial. De
toda sorte, caso a esta autorização seja
concedido o status de julgamento, trata-se
do julgamento de um suposto futuro
criminoso antecedente ao crime que
não ocorreu e, de qualquer forma, um
julgamento onde não há direito à defesa
ou ao contraditório.
Não são apenas estes os paradoxos do
CINEMA