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Revista da CAASP - Edição n° 28

ACOMPANHAMENTO NO HC SAÚDE 30 REVISTA DA CAASP presa num corpo que não era o dela”, diz. Depois da adoção do nome social e das vestimentas femininas, a jovem passou a provar o dissabor da discriminação. “Os primos, por ordem dos pais, pararam de brincar com ela”, lembra Bárbara. Na escola, a situação foi ainda mais dramática: ao se comportar conforme sua identidade de gênero, a menina foi covardemente agredida por jovens que queriam obrigá-la a comportar-se como um “homem”. A rejeição e o trauma da violência, aliados ao sentimento de inconformidade físico-psicológica, levou a filha de Bárbara a desenvolver depressão, quadro que acomete 60% das pessoas trans, segundo estudo divulgado na revista médica The Lancet, em 2016. Também nessa população, não raro, o suicídio acaba sendo considerado uma opção. “Ela não comia e só chorava. Um dia, veio até mim e disse: ‘mãe, se eu não for uma menina, eu não quero mais viver’”, lembra, emocionada. Foi então que Bárbara largou casa, trabalho e a graduação em Enfermagem, que cursava numa universidade do nordeste brasileiro, para se mudar com a filha para São Paulo, a primeira cidade – e na época a única do país - a contar com tratamento hormonal a adolescentes transgêneros. “Vim para São Paulo porque eu entendi que minha filha, a razão da minha vida, jamais estaria bem se permanecesse presa num corpo masculino”, afirma. Hoje, três anos depois da chegada a São Paulo, a filha de Bárbara é acompanhada por uma equipe multidisciplinar no Hospital das Clínicas de São Paulo. Mãe e filha aguardam com ansiedade o aval médico para que o bloqueio dos hormônios masculinos da jovem de 14 anos seja efetuado, para que, em seguida, a aplicação dos hormônios femininos seja iniciada. O Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) do Hospital das Clínicas de São Paulo foi o primeiro no Brasil a atender jovens trans com menos de 18 anos e lhes proporcionar terapia hormonal. O Amtigos recebe crianças a partir dos três anos. A recepção é feita por um psiquiatra especializado, cuja função é identificar sinais de transgeneridade e afastar outras psicopatologias. “Nessa idade não podemos afirmar nada, mas essa triagem visa a percebemos indícios, intensidade e profundidade da disforia (sensação de desconforto, ansiedade e depressão constante) da criança ao ser obrigada a viver no sexo biológico”, explica psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do ambulatório. Aferidos o desconforto com o sexo biológico e a presença marcante de identificação com o gênero oposto, a criança passa a ser acompanhada por uma equipe multiprofissional. São sessões de terapia que frenquentam sozinhos, em grupo ou com a família, nas quais o comportamento sexual não é nem recriminado nem incentivado. “A intenção No universo infantil, brincar com este ou aquele brinquedo é apenas brincar. WEB


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