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Revista da CAASP - Edição n° 28

ali dispersas – é mais do que isso. Eu acredito que, talvez, possamos ir por essa veia, muito embora eu não esteja autorizado a dizer mais, porque nunca fiz pesquisa sobre isso. Mas podemos, sim, ir por essa veia de mostrar que a possibilidade de se manifestar tal como as redes sociais permitem pode fazer surgir ideias e sentimentos que, sem elas, não existiriam. Mais ou menos assim: quando um pesquisador chega para você na avenida Paulista, para fazer uma pesquisa de opinião, e cobra de você uma manifestação, aquilo que você diz a ele só existe porque ele está na sua frente. Se ele não estivesse na sua frente, você não elucubraria daquela forma. Então, eu diria que possibilidades técnicas de manifestação podem fazer surgir manifestações que sem elas não existiriam. Além do que, no caso das redes sociais, a distância física encoraja certos tipos de ataque. Eu acho que sim. Como tudo que você possa vislumbrar, em termos de técnica, terá sempre grandes méritos e também problemas. Tudo isso que está acontecendo permite coisas muito positivas e também faz surgir coisas negativas. Jesus Cristo era um subversivo, como você mesmo costuma afirmar, posto que lutava para subverter ordens estabelecidas. Temos subversivos de verdade hoje? Ou o mundo está repleto é de reacionários? (Risos) É o que muita gente está dizendo. Eu não tenho certeza. O que eu vejo do mundo é muito pouco para tirar uma conclusão tão pretensiosa. Eu prefiro dizer que não tenho opinião formada. Você diz que a vergonha é um tipo particular de tristeza. Poderia explicar essa frase? Você pode se entristecer com alguma coisa que você vê no mundo, e você pode se entristecer com alguma coisa que você vê em sim mesmo. Para mim, a vergonha é uma tristeza que tem a ver com algum atributo negativo flagrado em si mesmo, quando você tem alguma conduta, algum pensamento ou alguma outra coisa que a você mesmo causa repulsa. A vergonha é esse resultado final de uma repulsa diante de alguma coisa que você mesmo protagonizou. São tantos os exemplos! Eu suponho que você as tenha também, mas eu tenho aos quilos coisas que fiz as quais jamais repetiria, que eu jamais teria feito em outras condições e de que eu me arrependo profundamente. Existe quem não se envergonhe de nada? Quem seria esse sem-vergonha? É aquele que ao longo da sua trajetória criou uma espécie de imunidade afetiva em relação às próprias mazelas, e isso se dá justamente num processo civilizatório mal feito. Normalmente, a civilização deve criar condições para a vergonha, porque o envergonhamento de si mesmo é o primeiro passo para a não reincidência. Você conseguiria resumir a visão de mundo desses três brasileiros: o da elite, o de classe média, e o pobre? Eu não sei se esse recorte em três níveis é o mais adequado para caracterizar as representações de mundo. Eu prefiro enxergar um entendimento liberal e empreendedor de um lado; um entendimento protetivo e reativo de outro lado; e um entendimento denunciativo e ressentido de um terceiro lado, mas que não cruzam necessariamente essas classes sociais. Eu acho que tem gente que entende o mundo e o Brasil dentro de uma perspectiva de “a construir”. Tem gente que entende o mundo e o Brasil numa perspectiva de proteger o que já tem. E tem gente que entende o mundo e o Brasil numa perspectiva de denúncia do outro como causa das suas próprias mazelas. Essas três formas às vezes até se misturam numa mesma pessoa. A figura do empreendedor, a figura do herdeiro e a figura do despossuído são figuras muito presentes na nossa sociedade. A existência dessas três figuras é deletéria para sociedade? É uma coisa a ser superada para evoluirmos como nação? REVISTA DA CAASP 15 ENTREVISTA | CLÓVIS DE BARROS FILHO


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