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Revista da CAASP - Edição n° 28

Exato. Se alguém me disser que “não é exatamente isso que alguém quis dizer”, eu estou disposto até a aceitar, muito embora sempre se possa discutir. Vai-se lá saber o que Aristóteles queria mesmo dizer quando disse as coisas que disse, e vai-se lá saber se ele disse mesmo as coisas que dizem que ele disse, afinal de contas o percurso dessas lições é muito tumultuado até chegar a nós. Eu estou disposto a discutir. Porém, quero crer que minha iniciativa, pelo menos, nunca foi a de ensinar filosofia, mas de mostrar o quanto algumas ideias são importantes para a vida hoje. Quando eu digo que a busca da excelência é importante e tem a ver com a vida feliz, eu penso que, a grosso modo, é o que Aristóteles pensava também. Mas, mais importante do que isso é dizer alguma coisa para as pessoas sobre o sentido da vida, sobre o valor dos minutos vividos. Isso para mim é muito mais importante do que, digamos, a precisa gênese dessas ideias. Eu poderia até tirar a filosofia da história. Eu poderia falar só de excelência, sem citar ninguém, mas acho que vale a pena pelo menos indicar de onde isso foi tirado, para que os interessados possam ir atrás. E quantos não são aqueles que, depois de me ouvir, decidiram ir atrás de cursos de filosofia e de encontrar professores de filosofia. Eu não faço filosofia, mas sou um ótimo aperitivo para que os interessados procurem os especialistas. Você disse em uma entrevista que pessoas corretas não têm preço. A partir dessa afirmação, podemos precificar nossas classes política e empresarial? Há um entendimento de muitos de que todo mundo tem um preço. Eu quis discordar desse entendimento, por acreditar que a moral de cada um não é necessariamente tarifada em função de um valor. Eu estou absolutamente convencido de que muitos dentre as pessoas que eu conheço não cederão a uma conduta agressiva contra um certo princípio de vida e de convivência. Eu conheço médicos que não indicariam inutilmente ou de maneira prejudicial ao paciente um medicamento de jeito nenhum, por maior que seja a oferta dos eventuais interessados na venda desse medicamento. Eu conheço contadores aos quais você pode oferecer o dinheiro que for, que eles não fraudarão os números da contabilidade que fazem. Eu conheço advogados que por dinheiro nenhum agiriam de maneira lesiva à ética de sua profissão. E jornalista? (Risos) Por que o meu sorriso? Porque é para jornalistas que eu dou aula, então aproveito para dizer que justamente nesse meio é onde eu encontro mais gente disposta a fazer do seu trabalho uma luta por uma sociedade melhor. E eu quero crer que muitos permanecem com esse intuito do começo ao fim da carreira, razão pela qual eu disse o que disse. Eu discordei de colegas em eventuais diálogos sobre ética, e discordo de que tudo seja uma questão relacionada ao tamanho da atração, do tipo de propina ou do tipo de vantagem oferecida, por acreditar que muitos somos regidos por princípios, e se é com três, seis ou nove zeros não faz diferença nenhuma. O grande jornalista Cláudio Abramo, já falecido, dizia que a ética do jornalista é a mesma do marceneiro. Concorda? Totalmente. Ética é ética, uma espécie de uso coletivo da inteligência visando à identificação de princípios garantidores de uma vida melhor para todos, uma convivência mais justa. Mas, é claro, a ética pode se manifestar de maneira mais específica em universos sociais diferentes, por conta das situações específicas, mas o que está por trás dela é a mesma coisa para o médico, o advogado, o marceneiro, o jornalista. O sujeito que paga por baixo do pano para conseguir uma mesa mais rápido num restaurante é tão corrupto quanto aquele que paga propina para conquistar uma obra pública para sua empresa? Há prejuízos à convivência nos dois casos. Aquele que fura fila, ao prejudicar as pessoas que chegaram na frente, está ajudando a patrocinar uma sociedade injusta, está subvertendo um critério óbvio de distribuição de recursos, digamos assim. No caso de uma obra pública, a REVISTA DA CAASP 11 ENTREVISTA | CLÓVIS DE BARROS FILHO


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