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Revista da CAASP - Edição 27---

22 REVISTA DA CAASP Márcia tinha uma doença rara, a miocardiopatia dilatada, que fez seu coração dobrar de tamanho, bater bem devagar e leva-la à quase total incapacidade de respirar. “Você não sabe o que é desespero até constatar que você tem nariz e boca, e muito ar à sua volta, mas não consegue respirar. Era assim que eu vivia”, recorda Márcia. Depois de permanecer 12 dias internada no Hospital Dante Pazzanese, Zona Sul de São Paulo, ela foi levada para a sala de cirurgias e ganhou um novo coração. “Não sei quantas horas ou dias eu permaneci desacordada, mas quando acordei, eu não tinha aquele monte de travesseiros atrás de mim, que deixava numa posição que ajudava na respiração, nem tubo de oxigênio ao lado. Eu estava deitada e respirava normalmente. Chorei muito, mas chorei de alegria”, acrescenta. O que trouxe Márcia de volta à vida foi uma tragédia que aconteceu do outro lado da cidade, na periferia da Zona Leste. Horas antes de Márcia ser levada para a sala de cirurgia, um jovem que sacava dinheiro num caixa eletrônico do bairro do Itaim Paulista reagiu a um assalto e levou um tiro na cabeça. Levado ao hospital, os médicos constataram a morte cerebral. Ele morava em Santos e passava o fim de semana na casa da tia, onde os parentes encontraram, em meio à sua mala, uma carta em que, apesar de jovem, ele manifestava o desejo de que, se alguma coisa acontecesse com ele, todos os órgãos deveriam ser doados. O protocolo médico impede que o receptor de órgãos tenha acesso a informações pessoais sobre o doador, muito menos contato com a família, mas, no caso de Márcia, com a repercussão do crime na Zona Leste, o corredor do hospital falou mais alto. Por isso ela soube da história. Dez anos depois, quando já tinha deixado de morar em São Paulo e se mudado para São Vicente, na Baixada Santista, Márcia acompanhou a irmã numa consulta médica em Santos. Quando soube que a acompanhante da paciente era a mulher que tinha sido a primeira transplantada cardíaca de sucesso no Brasil, o médico quis saber mais e quase caiu da cadeira quando descobriu que sua interlocutora do acaso era a mulher que recebeu o coração do filho de uma de suas pacientes, de quem era amigo. “Ele ficou branco e disse: eu conheci esse rapaz. Era filho de uma paciente minha. E eu disse a ele: então diga para essa mãe que o coração do filho dela está vivo e funciona muito bem no coração desta mulher aqui”, conta Márcia Maluf. Márcia hoje, após ganhar uma nova vida. SAÚDE Arquivo pessoal M. M. 95% dos transplantados são pacientes do SUS.


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