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Revista da CAASP - Edição 27---

definiu isso como um combate entre a mente literal e a mente irônica. A mente literal é a mente fundamentalista que leu aqueles versículos do Corão como algo literal. Ainda hoje há quem leia a Bíblia de maneira literal, não simbólica. O uso da ironia é sinal de inteligência, e se ela está morrendo no mundo é uma coisa lamentável. Em “O tribunal da quinta-feira” você recoloca a Aids em discussão, após a doença desaparecer um pouco dos debates por causa da sua cronificação. O medo da Aids acabou ou permanece entre as pessoas da sua geração, que viveu o trauma da morte de vários ídolos nos anos 80 e 90? Eu acho que o temor da Aids atenuou-se bastante, até o próprio livro fala um pouco disso. No livro, a Aids me interessou menos como questão de doença em si, e mais como vetor para uma discussão moralista que houve nos anos 80. E que está voltando hoje em vários sentidos, com a questão gay, da intimidade, de leis que se metem na vida das pessoas – nos Estados Unidos houve tentativa de aprovar quarentena para doentes. Hoje, há iniciativas até religiosas tentando coibir a sexualidade das pessoas, e por outro lado uma discussão progressista, mas que muitas vezes coloca as pessoas diante do dilema de que você não pode nem na sua vida privada reproduzir estereótipos ofensivos. Essas discussões se ligam de alguma maneira e me motivaram na hora de escrever o livro. A amizade fraterna e duradoura entre dois homens, um hétero e outro homossexual, como acontece no livro, ainda é algo raro, não? Os heterossexuais costumam evitar até serem vistos junto com homossexuais. Pelo que eu converso com as pessoas, isso está mudando bastante. Mas, claro, eu sou escritor, vivo entre artistas, gente de cultura, e na minha vida pessoal isso não é um problema já há muito tempo. Em outros círculos sociais, é claro, o preconceito permanece. A gente tem um crescimento muito grande de igrejas no Brasil, por exemplo, um crescimento moralista em geral, e no mundo fora da minha pequena bolha, que é bolha da cultura, isso segue sendo um problema. Tanto é um problema que quando aparece um beijo gay numa novela ou num comercial de TV surgem protestos etc. Enquanto houver protesto é porque algum problema ainda existe. 14 REVISTA DA CAASP MICHEL LAUB | ENTREVISTA


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