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Revista da CAASP - Edição 27---

debate que eu acho bastante saudável. Eu não acho que as pessoas devam ser censuradas, que elas não possam falar sobre problemas que elas não vivem no dia a dia, mas eu acho bom que haja essa desconfiança, é bom que isso seja relativizado no debate. Aí se criam espaços para a figura do moralista de plantão. No fundo, pode ser aquele sujeito hipócrita, quase caricatural – e está cheio deles, na política principalmente. Políticos acusam outros políticos de ladroagem e dali a seis meses os acusadores são denunciados por corrupção. Então, os moralistas de plantão clássicos são esses. Os nomes a gente conhece todos. Abaixo desse nível quase caricatural, existem os casos que não são de hipocrisia pura, mas decorrente de falta de noção mesmo, por falta de percepção do mundo e do próprio lugar. A moral existe, certamente, mas eu falo daquelas pessoas que agem como julgadoras do comportamento das demais como se fossem donas da virtude. Não se pode cair no extremo do relativismo absoluto, que seria não podermos dar opinião sobre nada. Eu espero não ter passado essa impressão no meu livro, pois eu não prego isso na minha vida pessoal. É importante sabermos a diferença entre criticar uma pessoa pública e uma pessoa que não é pública. O Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, falando bobagem no Twitter é uma coisa; um pobre coitado falando bobagem no Facebook não está preparado para ser linchado, nem merece sê-lo. São coisas diferentes. Todo mundo condena todo mundo, mas deve haver certo cuidado. Será que as pessoas comuns não buscam tornar-se públicas via redes sociais, e depois não suportam o efeito disso? Muitas vezes essas pessoas não têm muita noção do que é o debate público. Dentro das redes sociais há vários círculos, desde círculos de pessoas que falam alguma coisa e alcançam repercussão até o de pessoas que falam coisas e não têm repercussão nenhuma. Eu acho que o tipo mais comum é de gente acostumada a uma certa falta de responsabilidade quando entre amigos, o que pode até ser saudável, democrático, mas essa pessoa tem que estar consciente de que a qualquer momento uma postagem pode viralizar por algum motivo e lhe trazer consequências. Isso acontece hoje em dia no mundo, atinge pessoas comuns, e nem é tão ruim. É um fenômeno que para mim, como escritor, me parece bem interessante. Você não escreve para pregar uma solução para o mundo, mas para botar ideias para circular. A ironia, na literatura e mesmo nas redes sociais, nem sempre é compreendida, não? Isso está em Machado de Assis, ele mesmo fala disso na Teoria do Medalhão, sobre o uso da ironia, o cuidado com a ironia. Todo mundo que já escreveu para um público sabe que a ironia é uma coisa muito perigosa, que nem todas as pessoas entendem, e a internet hoje está provando isso. A ironia está sob grande ameaça. É uma pena, pois é um recurso espetacular da língua, que diferencia os adultos das crianças, os homens dos animais. O Salman Rushdie, aquele escritor perseguido por escrever “Os versos satânicos”, na época, REVISTA DA CAASP 13 ENTREVISTA | MICHEL LAUB NÃO SE DEVE FAZER ARGUMENTO AD HOMINEM, QUE É CONFRONTAR A PESSOA


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