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Revista da CAASP - Edição 26-

Agora, se nós olharmos para o lado do Direito, das garantias, aí eu diria que o saldo da Lava Jato não é bom. Não sou só eu que digo: nós estamos produzindo um déficit democrático em termos de garantias processuais. Por exemplo, a própria decisão do Tribunal do Rio Grande do Sul que, ao HÁ UM CALDO DE arquivar um procedimento administrativo contra o juiz Sérgio Moro, disse que vivíamos CULTURA NO QUAL numa espécie jurisprudência de exceção. SÉRGIO MORO ESTÁ Nenhuma democracia convive com Estado INSERIDO. NENHUM de exceção. JUIZ É FILHO DE Eu tive 27 anos de Ministério Público. CHOCADEIRA, Um dia desses, eu fui questionado: “ah, o NENHUM PROMOTOR professor Lenio hoje é advogado; queria ver o que ele fazia quando era procurador”. É FILHO DE Aí eu mostrei tudo que fiz, todas as minhas CHOCADEIRA, posições, absolutamente garantistas, desde NENHUM o meu primeiro dia no Ministério Público, em ADVOGADO É FILHO 1986, todas as teses e ações, sempre para preservar as garantias constitucionais. O meu DE CHOCADEIRA.” passado e os meus livros falam por mim. Portanto, quando eu estou falando sobre o balanço de uma operação como a Lava Jato, eu não estou dando simplesmente uma opinião como um torcedor faria – eu estou mostrando elementos objetivos que saem da Constituição do Brasil, os quais podem me dizer com segurança onde estão os equívocos. Os tribunais podem até sustentar de modo diferente, mas isso não significa que os juristas brasileiros não possam ter sua opinião. Eu uso sempre o “fator Julia Roberts”, que é quando a Suprema Corte erra. No filme “O Dossiê Pelicano”, a personagem da atriz Julia Roberts afirma: “a Suprema Corte está errada”. O papel da doutrina no Brasil é doutrinar, é dizer: a Suprema Corte erra, a Suprema Corte acerta, os tribunais erram, os tribunais acertam – esse é o papel da doutrina. A doutrina tem que construir constrangimentos, que eu chamo de constrangimentos epistemológicos, tem que ter coragem de dizer as coisas. Quanto a essa coisa de os tribunais dizerem o que é o Direito... como resultado disso, boa parcela da doutrina acaba sendo caudatária dos tribunais. Os livros que mais vendem são manuais que simplesmente fazem glosas de ementas jurisprudenciais. Doutrina não é isso – pode até ser isso também, mas não é só isso. O eminente criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes, em entrevista a esta revista, há quatro anos, disse que a Polícia Federal equivale hoje aos illuminati do Século XVIII. O senhor concorda com ele? Nós criamos um imaginário conservador, um imaginário punitivista. Nós criamos o imaginário de que antes de tudo você é culpado, uma espécie assim de “teologia do Direito”, e que quando você trabalha contra isso está praticando heresias. O Direito incorpora as questões positivas da moral e, logo depois, ele não pode ser corrigido. 18 REVISTA DA CAASP LENIO STRECK | ENTREVISTA


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