Page 51

Revista da CAASP - Edição 23

ninguém na família havia apresentado algo parecido. “Eu dormi e quando acordei às imagens estavam todas embaralhadas. Foi como mergulhar numa piscina”, conta. O advogado foi submetido a uma batelada de exames e passou por cirurgia para estancar o sangramento dos vasos da retina. A visão, contudo, não voltou. A degeneração das retinas de Marcelo significou-lhe a perda total da visão do olho esquerdo. No direito, restaram-lhe menos de 5% da capacidade de enxergar. “Vejo vultos. Sei que você está aí, mas a que distância, qual a cor da sua roupa, do seu cabelo, os detalhes do seu rosto, eu não enxergo”, descreveu à Revista da CAASP. A partir daquele dia de 2003, Marcelo enfrentou momentos angustiantes. Pela impossibilidade de trabalhar, as despesas começaram a se acumular. Ele teve de fechar o escritório e procurou a OAB-SP para suspender sua Carteira. “Eu não conseguia chegar ao banheiro, que fica dentro do meu quarto. Como poderia advogar?”, questionava-se. Por intermédio da Ordem, chegou à CAASP. “No setor de Benefícios da Caixa de Assistência me apresentaram uma série de alternativas”, afirma. Recebeu da Caixa o Auxílio Mensal, em dinheiro, além de isenção de pagamento na retirada de guias médicas para consultas e exames, uma cesta básica por mês, auxílio odontológico e medicamentos. “O tratamento psicológico que recebi e a recomendação de instituições que poderiam ajudar na minha reabilitação foram partes fundamentais para a minha virada”, lembra. “A CAASP não resolve todos os nossos problemas, mas é fundamental que no momento mais sensível, aquele em que mais precisamos de ajuda, tenhamos alguém que nos oriente, nos direcione para a vida, como fez comigo a CAASP”, salienta. REVISTA DA CAASP 51 Por sugestão dos assistentes sociais da CAASP, Marcelo chegou à Fundação Dorina Nowil, antiga Fundação do Livro para Cegos, onde reaprendeu a se vestir, fazer a barba, ir ao banheiro, cozinhar e, principalmente, a ler, utilizando um software de voz. “Foi então que eu percebi que poderia usar a tecnologia como minha aliada para voltar a trabalhar”. Hoje, ele digita sem direcionar os olhos para o teclado. A destreza que alcançou é fruto da datilografia que quando menino aprendeu. “Quando erro uma tecla, o software me avisa”, explica. Ultrapassadas algumas barreiras, persistiam dúvidas com relação ao mercado de trabalho. “O preconceito é grande. Qual empresa vai propiciar um emprego para um deficiente visual?”, questionava-se. Graças à Lei de Cotas para Deficientes, Marcelo conseguiu emprego de auxiliar jurídico na Mobitel - hoje Vivo -, em que juntava documentos, lia-os por meio de um software de voz e montava os processos. Competente e persistente, mostrou resultados e logo foi promovido a advogado da empresa. “A maioria das pessoas que contratam focam muito na deficiência e não no profissional, quando deveria ser o contrário”, afirma. Hoje, Marcelo atua como advogado da Nextel. Auxiliado por um cão-guia chamado Harley, da raça labrador, o advogado, residente na Mooca, em São Paulo, vai de metrô até o bairro do Morumbi em pleno horário de pico. Sobre o cão, ele comenta: “O cachorro me traz independência e me inclui na sociedade, pois ele aproxima as pessoas de mim. Há juízes do TRT, por exemplo, que chegam a interromper a audiência para perguntar o nome do animal”, conta. Harley jamais se manifesta enquanto o dono está trabalhando – é como se estivesse ali apenas a observar um profissional lutador - e vencedor - na prática do seu ofício. PERFIL


Revista da CAASP - Edição 23
To see the actual publication please follow the link above