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Revista da CAASP -Edição 16 - Final - 1

A consequência disso tudo é que, além da crise econômica como uma tendência que já vinha antes e continua, no mundo desenvolvido – Estados Unidos e Europa – nós estamos assistindo a uma concentração crescente da riqueza e um aumento da desigualdade. É o que detalha o best-seller econômico de Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, não? Abril 2015 / Revista da CAASP // 9 Exato, e é o contrário do que ocorre no Brasil. Então, nós vemos que a economia de mercado, hoje em dia, tal como nós a conhecemos, não está conseguindo lidar com três grandes problemas, que são problemas centrais da humanidade: a desigualdade, o emprego (o desemprego continua muito grande em muitos países europeus; na Grécia é 25%, e entre os jovens 50%) e o aquecimento global. Uma economia voltada à produção não consegue aceitar uma autolimitação em termos de emissão de gases, por exemplo. Tudo isso eu diria do ponto de vista econômico e social. No plano político, o grande fator predominante de 2001 até hoje são conflitos ligados de uma maneira ou de outra ao islamismo fundamentalista radical e terrorista. Isso começa com o ataque às torres gêmeas, depois prossegue com o erro americano de lutar contra essa tendência por meios militares, com a invasão do Afeganistão e do Iraque – em lugar de ser resolvido, o problema se propagou. Hoje, nós vemos que há pelo menos três países no mundo árabe que estão com o Estado praticamente falido: o Iraque, a Síria e a Líbia. A Líbia, aliás, é um exemplo interessante, como o Iraque também é, porque em ambos os casos houve uma intervenção contra um ditador - Muamar Kadafi e Saddam Hussein, respectivamente. O Ocidente conseguiu derrubar os dois ditadores, mas qual foi a consequência? O caos, a anarquia. O Iraque, que não tinha terrorismo pois o regime do Saddam Hussein era um regime leigo e não religioso, hoje é o berço do Estado Islâmico, ou Isis, um califado. Então, o que nós vemos é que essa abordagem americana, o uso do exército - e não tanto como se combateu no passado o terrorismo anarquista, com a polícia, com a inteligência – acabou conduzindo a uma disseminação do fenômeno. Eu escrevi um ensaio grande, que saiu na Revista Brasileira de Política Externa, chamado “A islamização da agenda dos conflitos”, porque, hoje em dia, de 10 grandes conflitos, oito ou nove têm a ver com o islamismo radical. E o conflito entre Rússia e Ucrânia? É um conflito grave e desafiador, mas de certa maneira tem uma raiz em que houve também um erro dos ocidentais. Quando o comunismo acabou, depois da queda do Muro de Berlim, e quando se dissolveu a União Soviética, houve uma promessa ao (Mikhail) Gorbachev: se ele aceitasse retirar o Exército Vermelho da Alemanha Oriental e daqueles países comunistas em que eles estavam presentes, em contrapartida o Ocidente não se aproveitaria disso para expandir a Aliança Atlântica. Essa promessa foi feita verbalmente e depois foi abandonada, na época do presidente Bill Clinton. A Aliança Atlântica encostou na fronteira da Rússia. Os russos, que já são historicamente paranoicos - como dizia Millôr Fernandes, “o fato de eu ser paranoico não significa que eu não esteja sendo


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