EENNTTRREEVVIISSTTAA \\ Para minorar um pouco minha culpa, eu devo dizer que a minha intenção era boa, porque, quando nós lançamos a moeda, no primeiro mês a inflação foi muito alta, foi mais do que o dobro do que a equipe esperava. No início, a equipe dizia que tinha sido por um erro do IBGE, que teria calculado errado o aumento dos aluguéis. Seja lá como for, aquilo criou uma decepção, e muita gente começou a achar que também esse plano não ia dar certo. No segundo mês, que foi agosto, nós, que acompanhávamos as estatísticas que ainda não eram divulgadas, sabíamos que a inflação estava caindo muito, mas não havíamos divulgado ainda porque havia um compromisso da parte da própria equipe de que o governo só divulgaria o índice mensal da inflação, não o índice semanal, se não depois ia virar o índice diário, o índice horário e aí se aceleraria a inflação. É preciso lembrar que eu não estava dando uma entrevista ao Carlos Monforte – eu estava conversando com ele. Eu pensei que o sinal estivesse fechado. Naquele dia, 1º de setembro, como sabia que havia muito ceticismo, eu tinha feito uma ofensiva: dei 20 e poucas entrevistas, acordei de madrugada e comecei com aqueles programas de rádio, não almocei, não jantei, estava sob medicação, estava muito cansado, não estava bem, e estava esperando o sinal para a 23ª entrevista, que era com a Globo, aqui em São Paulo, com a Lilian Witte Fibe. Eu estava esperando, conversando com o Monforte, e ele me fez uma pergunta: “ministro, o senhor não acha que, devido a esse resultado de julho, esse plano já fracassou?”. Eu disse: “não, pois sei que em agosto a inflação caiu muito, porque nós temos os dados, só falta fechar a última semana”. Aí ele ficou muito interessado, e perguntou por que razão eu não dava a notícia naquela hora, pois seria um furo. E então eu usei aquela frase infeliz: “eu até que não teria escrúpulos”, mas acontece que nós tínhamos um compromisso de só revelar o número redondo do mês, e não o da semana. Eu estava dizendo que não tinha escrúpulos, mas estava mostrando que tinha escrúpulos, porque eu não estava divulgando uma notícia que era a favor do governo. Até usei aquela expressão: “o que é bom a gente divulga, o que é ruim a gente esconde”. Você sabe, as palavras têm um poder terrível. Quem leu Monteiro Lobato sabe que a boneca Emília às vezes abria a torneirinha das asneiras, e eu abri a torneirinha das asneiras. Eu não vou defender esse ato, eu até pedi desculpas à população, eu me demiti no dia seguinte de manhã, mas o Itamar não aceitou no início. Ele não sabia de nada e no começo não avaliou. Só no fim da tarde é que ele se deu conta. A culpa foi minha, e eu me arrependo. Quando você pergunta se eu não me arrependo, eu respondo: eu me arrependo. Eu não deveria ter dito aquilo, deveria ter sido muito mais comedido, mas aconteceu. Eu considero isso uma dessas perdas na vida. O homem ou a mulher que disser que nunca errou está mentindo. Eu fiz um ato muito grave, pelo qual paguei um preço grande. Estou tranquilo com a minha consciência porque eu não estava mentindo. Estava dizendo uma bobagem , mas estava escondendo o que era bom para mim. Desde então, aconteceram coisas infinitamente mais graves, gente que roubou, que fez coisas incríveis e que até hoje não reconhece que errou. O que é ser desenvolvido? É saber lidar com a complexidade da sociedade moderna. Não se trata de um conceito predominantemente econômico. Quando nós dizemos que os suecos ou os dinamarqueses são 20 // Revista da CAASP / Abril 2015
Revista da CAASP -Edição 16 - Final - 1
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