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Revista da CAASP -Edição 15

desconhece a verdadeira religião muçulmana. No Alcorão Sagrado não há nenhum versículo condenando qualquer pessoa que blasfeme contra a religião. Aliás, o profeta Mohamed (Maomé) sofria blasfêmias e nunca as respondia, sempre virava as costas”, afirma o xeique Houssan Al Boustani, fundador do Conselho Superior de Teólogos e Assuntos Islâmicos do Brasil, desmentindo a retórica jihadista. “A Al-Qaeda e o Isis não representam os muçulmanos. Não existem partidos islâmicos dirigidos por líderes religiosos formados na teoria islâmica academicamente. Onde Al Zawahiri (atual chefe da Al- Qaeda) estudou a religião islâmica? Em nenhum lugar. Onde Bin Laden (antigo líder da Al- Qaeda, morto em ação militar dos Estados Unidos) estudou a religião islâmica? Em nenhum lugar, ele era engenheiro. Nós, formados na religião islâmica, não acreditamos em partidos ou estados religiosos. Os muçulmanos praticam a liberdade”, assegura Boustani. E vai além: “Quem é o líder do Isis? Não é ninguém mundialmente conhecido. Trata-se de uma organização composta de jovens sem rumo, de 17 a 20 anos, atraídos por dinheiro e mulheres, não pelo islamismo”. Ricardo Bastos Al Boustani: “a Al-Qaeda e o Isis não representam os muçulmanos” Fevereiro 2015 / Revista da CAASP // 17 Outro fato salta aos olhos no acaso específico do ataque ao Charlie Hebdo. Dois dos terroristas que praticaram o cruel massacre não tinham outra nacionalidade a não ser a francesa, nasceram e cresceram na França, estudaram em escolas francesas e falavam francês. Eram cidadãos franceses atraídos pela Al-Qaeda. De qualquer forma, o preconceito contra os muçulmanos está instalado e é nítido nos Estados Unidos, com mais força depois do “11 de Setembro”, e na Europa. “Os milhões de muçulmanos que vivem na Europa precisam ser integrados à sociedade europeia. Desde a Segunda Guerra Mundial, ou mesmo antes, a Europa tem recebido imigrantes de origem árabe, mas os governos europeus não têm encontrado o mecanismo correto para que esses imigrantes se integrem”, observa Boustani. “Até hoje, na Bulgária, um partido extremista leva carros de som para a frente dos templos muçulmanos às sextas-feiras, na hora da reza, e impede o culto”, conta. A alegação do governo búlgaro para nada fazer quanto a isso é o respeito à liberdade de expressão – conceito deturpado cotidianamente. A liberdade de expressão, que levou chefes de Estado às ruas parisienses ao lado de milhões de franceses em solidariedade ao Charlie Hebdo, costuma ser invocada com certa dose de oportunismo. O consenso solidário ao CH não pode servir para deixar no esquecimento atentados muito mais amplos. Como sentenciou nosso célebre dramaturgo Nélson Rodrigues, e bem lembrou na capa desta edição o cartunista Paulo Caruso, toda unanimidade é burra. Líderes mundiais também poderiam se cotizar e passear por alguma rua famosa em solidariedade às vítimas do grupo terrorista Boko Haram, que, na mesma semana do ataque ao jornal parisiense, perpetrou 2 mil mortes em Baga, na Nigéria, onde proclamou um califado. Por que ninguém fez passeata? Seriam os nigerianos descartáveis, no sentido do que disse o Papa Francisco?


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