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Revista da CAASP - Edição 03

enfiava-se na bocarra da criatura uma denúncia anônima contra alguém, o Conselho dos Sábios arrecadava aquela denúncia e torturava o sujeito denunciado. Hoje ainda funciona assim. Quase mil anos depois, temos uma relação muito grande com os Doges de Veneza, e com uma articulação que é muito mais satânica, porque nós premiamos o delinquente, nós premiamos o bandido, nós premiamos o mafioso desde que ele entregue seus comparsas. Isso é terrível, é o pecado maior que estamos cometendo, inclusive com o entusiasmo de muitos juízes e promotores públicos. Isso vicia. Tenho a sensação de que esse pessoal que abiscoita o e-mail, o telefone, a comunicação privada do cidadão tem uma certa deformação biopsíquica – são os voyeurs, aqueles que olham pelo buraco da fechadura. Fevereiro 2013 / Revista da CAASP // 19 Como os voyeurs se escondem? Eles não se escondem. Nós temos juízes fazendo isso em São Paulo, em Minas Gerais, em Brasília. Fazem isso o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, além de, às vezes, as polícias estaduais. É um ato de três personagens: a polícia faz sozinha, mas faz com muito receio porque, se for descoberta, pode ser penalizada; o Ministério Público tem feito com muita vontade; e o Judiciário se engalana, há juízes entusiasmados com isso, mandando inclusive interceptar telefones de advogados. O meu e-mail foi interceptado por um juiz de Brasília. Isso é uma infâmia. O juiz que faz isso perde a condição de ser humano ligado às regras mínimas de moralidade. Não existe mais investigação sem grampo? Com grampo é mais fácil. Na ditadura, os militares não grampeavam nosso telefone. Eram capazes de sumir com nosso cliente, jogá-lo do helicóptero ao mar, mas não chegavam a esse ponto morfético de tentar descobrir por meio científico aquilo que você estava conversando com seu cliente. Hoje, advogado criminal que se preze não fala com cliente por telefone sobre coisas sérias, nem manda e-mails sobre assuntos sérios. O mesmo acontece com o Skype, que era mais difícil. Não se sabe se há um protocolo com a Microsoft, no sentido de que a Interpol e a polícia científica possam interceptar conversas no Skype. Paradoxalmente, hoje o Correio, a cartinha, passou a ser mais confiável. O fruto dessa bisbilhotagem tem caído com frequência nas mãos da mídia, e a mídia joga isso no ventilador sem nenhum cuidado. Como o senhor avalia essa situação? A mídia se “bordelizou”. Às vezes fico sabendo de algo sobre um cliente pelos jornais. Depois, com


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